sobre aprendizado e privilégios

Coincidências, sinapses que conectam pontos, sei lá — acabo de ler um texto que é muito legal mas que disparou aqui em mim um incômodo, e graças ao meu poder mágico de conectar lé com cré entendi o motivo.

 

A moça do texto conta sobre ouvir uma música no supermercado e cantá-la a plenos pulmões, e isso ter sido divertido (imagino; adorei a ideia). Ela menciona que ouvia o álbum enquanto adolescente, e sabia tudo de cor. Um álbum de jazz moderno, gringo.

 

Corta pros meus pensamentos aleatórios de outro dia, eu já volto aqui.

 

Fui conhecer jazz depois dos 18, na faculdade, graças a amigos. O mesmo vale pra música erudita, e artes plásticas em geral, e cinema. Os amigos que me inundaram de novas referências na vida eram predominantemente ricos, bem ricos. Nós outros, inteligentes e interessados porém pobres tínhamos outras referências — cultura popular, MPB, samba de raiz, de fundo de quintal.

 

Parece clichê, né? Juro que não tou forçando a barra. Guardadas exceções raras (pobres filhos de músicos ou artistas), quem tinha acesso à arte eram mesmo os ricos. E nem preciso dizer brancos, né, quando se trata de faculdade de elite, fica implícito.

 

E o inglês, né. Que eu só pude estudar depois de formada, quando podia pagar. Até lá, era o inglês meia boca que a escola pública ofereceu e eu agarrei com unhas e dentes. Como aliás agarrei todo conhecimento que me foi oferecido através dos novos amigos que nunca pude ter — nunca aprendi tanto em tão poucos anos. Até hoje sinto reflexos daquela época (e descobri essa semana que eu, olha o espanto, apresentei a um dos amigos da época a POESIA).

 

A poesia. Que descobri num trabalho escolar no 2o colegial do colégio público — Drummond me iniciou. Eu estava com o pé quebrado e decorei A máquina do mundo para uma apresentação. Decorei e dissequei, porque por sorte a edição do livro dele na biblioteca paupérrima era comentada.

 

Um mundo enorme se abriu pra mim quando li poesia comentada, quando meus amigos ricos me mostraram coisas com as quais eu nem sonhava, e quando pude viajar e ver as obras que só conhecia pelos livros poucos que chegaram até mim.

 

Voltemos à história da moça: eu tive inveja de alguém que falava inglês na adolescência e ouvia jazz em casa. (E a qualidade musical na minha casa era excelente, não me entendam mal. Essa sou eu reclamando do que não tive)

 

E sei que também fui muito privilegiada. Minha família tem uma riqueza musical e cultural enorme, e tive muita sorte.

 

Mas o álbum preferido de uma adolescente ser de jazz me deu uma pontada de inveja forte aqui, lembrando do meu deslumbramento com Miles Davis e Coltrane já maior de idade.

 

Algumas pessoas não sabem a sorte que tem.

 

(Mas eu sei. E sou grata.)

Deixe um comentário