sustentabilidade e política

Tou achando tão interessante esses textos sobre “sair sem carro”, em especial de gente (adivinha?) rica, privilegiada.

Aprendi a dirigir com 23 anos, obrigada pela minha mãe. Sempre andei a pé e de bicicleta quando criança e adolescente, e depois de ônibus. Comprei meu 1o carro com 28 anos, vendi depois de 1 ano (desnecessário em SP, onde eu morava, e caro), só fui comprar outro com 35 anos, quando vim trabalhar no interior.

Passei a maior parte da vida sem carro, como aliás a enorme maioria das pessoas que não têm dinheiro.

Me irrita um pouco essa romantização dos meios de transporte sustentáveis, além do julgamento moral de quem valoriza (e usa) o carro, pelos seguintes motivos:

– Ter carro tem um valor social importante, é sinal de sucesso. As pessoas se sentem bem-sucedidas quando têm carro. É como comprar iPhone, tênis de marca. Antes de criticar as pessoas, precisamos criticar o sistema.

– É fácil andar a pé e de bike morando em bairro bom. Andar a pé e de bike lá na Vila Ré (onde morei, inclusive) não é tão divertido assim. E pra ir de bike ou a pé da Vila Ré pro centro é uma vida, arriscando morrer atropelado numa cidade que não foi desenhada pra acolher pedestres.

 

(Pode ser minha bolha, mas todo mundo que defende mobilidade mais sustentável é rico. (“Ain, eu não sou rico!” — é sim, se manca))

 

– O tempo livre é um bem escasso, e de novo, a causa disso é estrutural. Não adianta colocar a culpa no indivíduo. De carro eu demoro 12 minutos pra chegar ao trabalho. A pé eu demoraria 2:15h e de bike seria 1h (e na volta do trabalho eu pego o Otto na escola). Eu trabalho 9h por dia, que tal adicionar mais 1 ou 2h me deslocando só pro trabalho? Fora a escola da criança, supermercado, seja lá o que eu precise fazer. Parte desse trajeto seria já sem luz do dia, e tudo passando por rodovias, e moro na zona rural.

É impossível? Claro que não. Mas requer uma estrutura de infra e social que não existe. Não é à toa que nos lugares pequenos se usa mais bicicleta e anda-se mais a pé — o tempo compensa. Tempo é precioso, e o carro ajuda com isso sim. Moto, ou ônibus também.

Carona colaborativa, maravilhoso, e pra algumas pessoas que têm flexibilidade funciona legal. E quando você tem um itinerário complexo, horários rígidos? E quem tem mais de um filho, creche, escola? Não é impossível, passa por um milhão de escolhas diferentes e — inevitavelmente — **mais tempo livre**.

Pra ter mais tempo livre é preciso mudar bastante a forma de viver. Não é tão simples quanto parece, e repare que as pessoas que adotam formas minimalistas de viver são ou moradores de rua ou privilegiados que podem fazer certas escolhas.

Aquela moça que resolveu “vender tudo” (ela tem o que vender, olha que coisa) e dar a volta ao mundo; aquele cara que vive da sua arte e estudou nas melhores escolas, criado a danoninho e tem onde morar (e sempre tem os pais caso tudo mais falhe); aqueles que podem se dar ao luxo de tirar sabáticos, férias — um luxo.

Claro que poderia escolher não ter filhos, viver só, não ter trabalho fixo, ou fazer algum trabalho que não requer horário… tenho o privilégio de poder fazer todas essas escolhas. Eu faço parte do 1-2% da população que tem escolhas. Você que tá lendo certamente também faz.

Esse textão é pra lembrarmos que ficar dando lição de moral mandando as pessoas andarem menos de carro não muda o mundo. Política muda o mundo. Precisamos de mais transporte público, e cidades que dêem suporte a formas alternativas de mobilidade.

E, mais que nada, precisamos de novos modelos de trabalho e apoio pra quem tem filhos, porque quem trabalha 9-10h por dia não consegue gastar 2-3h adicionais por dia (com MUITA sorte; lembrando que muitas pessoas já gastam de 2-4h pra se deslocar para o seu trabalho) se transportando.

 

**

 

Fora isso tudo, sim, precisamos usar menos combustível fóssil, urgente.

E cuidar da nossa água.

E criar humanos bem melhores.

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