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Feliz dia das mães

May 18, 2017 · Leave a Comment

Antes de ter filho eu já percebi que minha mãe mora em mim. Não exatamente ela, a minha Mami Vera Lu, que é uma pessoa maravilhosa, admirável e que amo muito, mas a mãe que eu construí quando criança. Aos poucos, conforme eu crescia, fui percebendo que a minha mãe que morava do lado de dentro não era a mesma que morava do lado de fora. É isso é bom, porque me deu a oportunidade de perdoar os erros da minha mãe humana, e admirar ainda mais os acertos. Quando a gente endeusa as pessoas, minimiza muito as qualidades (é assim que ídolos devem ser, certo?) e não se conforma com os erros (ídolos não têm direito de errar).
Mas é legal ter a mãe da gente morando aqui dentro. Ela fala comigo, me conforta e dá bronca. Às vezes ela me domina e me vejo gritando pro Otto coisas como — “SE EU TIVER QUE IR ATÉ AÍ…” 🙂 Minha mãe nunca vai me abandonar enquanto eu viver. E uma parte dela viverá com o Otto também, através de mim.
(E sei que isso é possível porque eu pude conviver com a minha mãe, e internalizá-la. Abraço todos e todas que não tiveram essa oportunidade por perderem as mães muito cedo. 💔)
Abraço também os que têm mães tóxicas. Essas mães que (provavelmente sem querer — não consigo conceber uma mãe sã magoando seus filhos de propósito) massacram seus filhos, que não aceitam deles nada menos que tudo. Que não acolhem o erro, o desvio da meta, o diferente. Que cobram o impossível, que não enxergam que o filho que ela sonhou não existe; que aquele filho que ali está é perfeito como é.
A mãe carrasca mora na gente também, e sopra julgamentos quando comemos um bombom a mais, quando dormimos sem tomar banho, quando as coisas dão errado.
“Eu avisei.”
“Eu sempre soube.”
Em 2010 me tornei mãe, e sabia que seria difícil — a maternidade idealizada nunca existiu pra mim. Só não sabia que seria TÃO difícil. De tudo que é difícil, a parte fácil é que dá trabalho: cuidar, limpar, ficar sem dormir. A parte impossível é lidar com um amor feroz, muito movido pelo medo, o pavor de ser responsável por alguém. Pavor de sentir um amor tão grande que parece que vai explodir pelos poros todos, que faz a gente sentir o coração ocupar o tórax todo, um amor que transforma a própria morte em apenas um inconveniente que vai afetar aquele ser, o filho.
Eu tinha medo de morrer. Morrer não é legal, a gente evita e tal. Mas quando temos um filho, a ideia inconcebível e que sequer se pode nomear de perdê-lo para a morte transforma a nossa própria morte em uma opção excelente. Por favor que eu morra antes, muito antes, se necessário. Minha única preocupação com minha morte desde que me tornei mãe é “ele vai sofrer”.
Eu morreria 10 mortes por ele, sem hesitar.
(Mas não me peça pra tirar uma taturana de perto dele, esse teste já aconteceu e eu falhei miseravelmente. Saí correndo.)
Quando ele nasceu, eu nasci também. Minha porção mãe nasceu (já dizendo “SE EU TIVER QUE IR AÍ…”), e a cada ano que passa admiro mais meus pais. Que tarefa hercúlea é criar humanos estando presente. Porque humanos sobrevivem muito bem em ambientes hostis, somos muito resistentes. Mas criar humanos com amor pra serem seres humanos do bem é muito difícil.
Nosso corpo transmite a carga genética automaticamente para nossos filhos, e essa é a parte fácil. Humanos, diferentes dos animais, precisam de uma outra “carga”, que toma anos de investimento — somos nós, pais, educadores, família, amigos, a sociedade, que fazemos essa carga. Ensinamos e moldamos, a maior parte do tempo sem querer.
Eu gasto a maior parte do tempo com meu filho fazendo cargas de afeto, conhecimento, ensinando o que é ser humano dentro do meu sistema. Ele é resultado da minha carga genética e também da minha carga afetiva e intelectual. Esse processo é intensivo, e a cada ano que passa se torna mais difícil, mais complexo.
(E é também por isso que não é necessário engravidar pra ser mãe. A maior parte da construção da maternidade se dá no fazer. E se intensifica quando a criança cresce)
Somos como uma grande casa, cheia de cômodos escondidos. Ser mãe abriu cômodos que nem sabia que existia, cheios de pó e coisas misteriosas. Criar o Otto trouxe luz por novas janelas, e me obrigou a arrumar e limpar tralha que eu nem sabia que tinha.
Ele continua crescendo dentro de mim, iluminando cantos escuros. E tenho certeza que dentro dele há uma parte de mim, como um DNA alienígena, que vai ajudar e atrapalhar, carrega qualidades e defeitos. Ele vai me levar onde for.
Ser mãe é a experiência de autoconhecimento mais incrível e assustadora que jamais sonhei viver.
Alguém me disse uma vez, quando nem queria ter filhos, que ser mãe me faria bem pois me faria ver o mundo de outro ponto de vista. Achei meio óbvio, claro que a maternidade dá outro ponto de vista, mas hoje entendo o recado: o mundo não gira ao meu redor. E nada dá essa dimensão de forma mais radical que ser mãe.
Ser mãe é como aprender que há outros planetas, entender a lei da gravidade e fazer aquele “zoom out” comparando a si mesma com o sol. E sair da Via Láctea. A gente ri de nervoso, porque é tudo tão imenso e incompreensível que a gente retoma a vida e vai trocar fraldas, porque as pequenas coisas da vida trazem conforto e plantam nossos pés no chão.
Para este dia das mães, convido vocês a ler (ou reler, espero) O Delírio, de Memórias Póstumas de Brás Cubas.
Toda mãe é Pandora.
http://sanderlei.com.br/PT/Machado-de-Assis/Memorias-Postumas-de-Bras-Cubas-007

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