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o desfralde, essa merda :)

March 14, 2013 · 9 Comments

ah, a beleza do desenvolvimento humano! uma das coisas mais interessantes de se tornar pai/mãe/cuidador é aprender que somos resultado de anos de treino e aprendizado, que coisas tão corriqueiras e automáticas para adultos quanto fazer cocô e xixi na privada, usar papel higiênico e lavar as mãos foram aprendidos em algum momento. é meio óbvio que não nascemos sabendo essas coisas, mas como esquecemos o processo de aprendizado, é espantoso acompanhar cada pequeno passo pelos olhos de quem ensina. e perceber (não sem ganhar um pouco de humildade, com sorte) que um dia nós também não soubemos como fazer cocô e xixi na privada. kudos para meus pais, parentes e professores, que me ajudaram nesse aprendizado tão essencial e para o qual até este momento eu nunca tinha dado bola.

(o mesmo vale para o processo de aprendizado da linguagem, mas isso é assunto pra outro post)

em meados de janeiro (otto estava com 2 anos e 4 meses, 28 meses) iniciamos o processo de desfralde, por alguns motivos/sinais: ele começou a ficar resistente a colocar fralda; ele comunica bem o que quer/não quer, viabilizando o processo de aprendizado; ele se interessa pelo cocô e xixi, dar descarga, etc.; ele começou a procurar “privacidade” ao fazer xixi (e em especial o cocô). todos os lugares em que li sobre o assunto indicam que esses são bons sinais de que ele está pronto para iniciar o processo. mas…

… são 2 meses de tentativa, e o processo está lento. iniciamos tirando a fralda, contando pra ele que íamos começar a fazer xixi na privada (ou nas plantinhas, ou no ralo do chuveiro…), “que nem o papai” (que teve que voltar a adotar o xixi de pé, que ele não costuma fazer em casa, por pura conveniência — sentar é mais prático e não tem risco de sujar nada :D), e cocô também. desde muito pequenino acostumamos a dar tchau pro xixi e cocô (jogamos na privada, quando a consistência permite), então é um processo que ele já conhece.

bem, o xixi de pé ele amou, claro. mas só agora, depois de 2 meses, ele percebe em 50% das vezes que precisa fazer xixi e pede. os outros 50% ou somos nós que insistimos (e ele resiste, sempre) pra tentar fazer ou ele faz na calça mesmo. uma coisa que fazemos desde o começo (e é mais difícil do que parece) é não reagir mal quando ele faz xixi ou cocô na calça, no chão, enfim. procuramos lidar com naturalidade, explicar que tá tudo bem, que quem sabe na próxima vez ele lembra de pedir, etc. quando é xixi, deixo ele com a cueca/short molhado um tiquinho (pra perceber o molhado, o que aconteceu) e aí troco. o cocô não tem jeito, tem que ser imediato mesmo.

em relação ao xixi sentimos progresso, ele já segura por um bom tempo e algumas vezes pede pra fazer. o cocô, por outro lado, o progresso é zero — ele nunca pediu pra fazer e simplesmente não aceita sentar e “tentar”, nem no penico e nem na privada com o redutor. ele parece preferir fazer cocô em pé ou agachado, e sentar é um problemão. aí é isso: cocô sempre na calça, apesar de ser sempre nos mesmos horário e percebermos quando vai rolar e tentar convencê-lo a sentar e fazer na privada/penico.

não sabemos o que fazer quanto a isso, e não queremos que ele se chateie com o processo, então vamos deixando e limpando muita roupa, e o chão, quando escapa. consultando amigas, nos disseram que para o cocô o controle dos esfíncters realmente precisa estar mais desenvolvido, então nos resta esperar e continuar tentando. uma amiga mencionou tentar ver se ele topa fazer cocô agachado, no penico. nunca tentei, vou tentar essa semana. e também recomendaram deixar ele brincar de subir escada e andar de bicicleta/velocípede, que ajuda a fortalecer e desenvolver a musculatura da região. vamos tentar também, e ver o que acontece.

enquanto isso, nos deparamos com situações como a de ontem, em que ele estava tomando banho de banheira comigo e agachou. eu desconfiei, e perguntei mil vezes se ele não queria tentar fazer cocô na privada, porque “no banho não pode, o cocô não toma banho com a gente, e blá blá blá”, e ele se recusou. até que ele vira e me diz “o otto NÃO fez cocô!” e lá vem o COCOZÃO boiando ao nosso redor… 😀

aí imaginem a correria pra sair da banheira, lavar os 2 (sorte que o cocô dele é bem firme, o prejuízo foi mínimo), se livrar do cocô (parabéns, papai, o pescador de cocô!), lavar a banheira com água escaldante, etc. e no processo todo, ele acompanhando e achando o máximo observar o cocô dele lá, na banheira. quis dar tchau, ajudar a limpar e tudo o mais.

a maternidade não é super divertida? 🙂 imagino que lindo deve ser o processo de ensinar a criança a se limpar sozinha… looking forward to it (NOT)

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e aí ouço as histórias de desfralde mais lindas do mundo, como um amigo cuja filha com 1 ano e meio (!) que pediu para tirar a fralda, por conta própria. e nunca mais usou, sem NENHUM incidente. inclusive à noite (ela acordava os pais pra fazer xixi no meio da noite, percebam o nível). e morro de inveja, né.

a propósito, todo mundo me disse que meninas desfraldam mais rápido que meninos, não sei se é lenda, mas no geral somos mais rápidas em tudo, não? 🙂

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DICAS SÃO BEM-VINDAS. PLEASE.

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o mito da maternidade — meus 2 cents

December 12, 2012 · 2 Comments

circula por aí essa entrevista concedida pela filósofa marcia tiburi a respeito do mito da maternidade, e o movimento pela libertação das mães (MLM).

eu gostei muito da entrevista, e da perspectiva dela. aqui no meu espaço pessoal, me permito julgar só um pouquinho, e com base somente na leitura dessa entrevista, um aspecto que me chamou a atenção: a pena da mãe (da geração anterior a ela) e também da filha (a ponto de pedir desculpas por tê-la trazido a este mundo). suponho que ela tenha pena de si mesma também, por extrapolação, e realmente não gosto desse posicionamento da mulher como vítima da sociedade, #mimimi. me parece até que existe um incômodo com a condição de mulher/mãe/filha. mas isso é assunto pra terapia (a dela :)).

e foi só isso que não gostei, de resto concordo muito com o posicionamento e a interpretação. gosto especialmente da clareza com que ela desconecta (e critica) o aspecto “natural” da maternidade do ato prático em si:

uma mulher até pode vir a gostar do filho depois do parto, mas não quer dizer que tenha gostado de pari-lo ou que tenha se encantado com sua condição de bebê. não podemos mais naturalizar isso. naturalizar é mistificar.

concordo tanto! já repeti isso com outras palavras aqui inúmeras vezes, e fico feliz em saber que outras mulheres também o percebem: maternidade não é sinônimo de instinto, amor incondicional e nem prazer em cuidar de bebês. até porque (me repito, sem parar) nossos filhos são bebês e crianças a menor parte de suas vidas. a maior parte das nossas vidas somos adultos, e continuamos a nos relacionar com nossos pais. não ser plena e feliz cuidando de bebês não quer dizer absolutamente nada sobre sua capacidade como mãe, ou seu amor, enfim.

adorei a insistência dela sobre ser mãe <> ter filhos! qualquer pessoa, independente do sexo ou da relação afetiva/genética, pode ser mãe, pode estar mãe em algum momento. pais, amigos, tios, professores podem ser mães. eu já tive mães outras em vários momentos da vida, já fui mãe pra minha mãe, inclusive.

e não posso deixar de mencionar a importância da questão do aborto e da opção de simplesmente não ter filhos (atenção — podemos continuar sendo mães sem ter filhos ;)). e do quão é importante permitir essa opção sem julgamento. assim como é essencial para que sejamos livres, como mulheres, podermos trazer à luz nossos incômodos e dificuldades com a maternidade.

mas como assim, é incômodo ser mãe? como podemos dizer que é chato, cansativo e irritante às vezes? que tipo de mãe somos nós, que não padecemos no paraíso, que não idolatramos nossa placenta e nem os rebentos maravilhosos, raios-de-luz que trouxemos ao mundo? como temos coragem de optar  pela maternidade e não nos dedicarmos completamente a ela, aos nossos bebês? se era pra reclamar, por que parimos?

é incrível como mulheres que se acham modernas e humanas repetem (consciente ou inconscientemente) essa mística, esse discurso reducionista e ralo de que “ser mãe é se dedicar”. e que se não for para se dedicar completamente ou se for pra reclamar, “melhor não sê-lo”.

lutamos pelo direito a abortar um feto, mas criticamos opções de maternidade diferentes da visão mais idealizada da santa-mãe-dedicada? liberdade então só vale para quem ainda não é mãe, é isso? resolveu parir… embale! tsc, tsc, tsc.

que possamos ser livres, com ou sem filhos, para exercer nossa maternidade da forma que melhor nos couber, dentro das oportunidades que forem apresentadas e da nossa possibilidade. com responsabilidade, claro, que é o que se espera de um ser humano decente, em relação a qualquer outro par. mas sem culpa, sem cartilha, e sem julgamento.

pratiquemos a diferença, sejamos diferentes. se quisermos mudar o mundo, devemos mudar através de ações, não é preciso dizer aos outros como viver. as opções de vida e comportamento são infinitas, muito mais diversas e únicas que a nossa capacidade de interpretação ou projeção.

o mundo, as pessoas e os comportamentos não precisam fazer sentido pra todo mundo o tempo todo. precisamos parar de tentar “fazer caber” o comportamento alheio no nosso sistema, ou mapa mental.

como meta pessoal, pratico (com extrema dificuldade e várias falhas) não julgar, não rotular, concentrando em melhorar a mim mesma somente (o que já é muito e bem difícil). ao resto do mundo, reflito e respondo, usando minha perspectiva, na esperança de oferecer outro ponto de vista e assim eventualmente ajudar alguém.

vida longa a qualquer iniciativa de libertação, seja do que for. o que menos precisamos é de mais uma âncora-de-expectativa sobre o que devemos ser.

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família e princípios — essas coisas de antigamente

December 10, 2012 · 4 Comments

hoje no facebook me deparei com 2 artigos que motivaram textos distintos, mas que resolvi juntar por aqui, porque os assuntos são afins: de um lado, mais um programa de TV promovendo o consumismo infantil, para além de quaisquer limites do aceitável; de outro lado um artigo asqueroso de um jornal paranaense afirmando que crianças adotadas por homossexuais não fazem parte de uma família. família = mulher, homem, crianças.

(o título do artigo: a PERVERSÃO da adoção)

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sempre achei criança e o universo infantil um tanto enfadonho, enquanto adulta-e-sem-filhos. via crianças mal educadas e sem noção, e torcia o nariz pra elas. “criança no geral é chato, né?”. depois de ter meu filho e começar a conviver com crianças mais intensamente (a minha e as dos outros) percebi que meu incômodo fora mal direcionado a vida toda. crianças são incríveis (porém MUITO cansativas, isso é real), o problema são SEMPRE os adultos que as cercam, em especial os pais. os adultos ao redor transformam promessas de seres humanos normais em criaturas sem-noção-e-sem-discernimento.

vejam o exemplo do programa de TV: qual adulto empenhado em educar seu filho e transformá-lo num cidadão do mundo atual (redução de consumo, respeito pela diversidade, etc.) entraria nessa onda de “festas milionárias”? aliás, pra quê festas de criança tão consumistas e fora da realidade de 99% do mundo? o que as crianças aprendem, em eventos como esses? e eu sei, esse é o exagero do exagero, mas pensem nas festas “comuns” em buffets, totalmente pasteurizadas, deixando presente no baú da porta. as crianças nem recebem mais os presentes (e os abraços) dos convidados. o afeto deixou de ser foco FAZ TEMPO, virou coleta de presentes, comilança de frituras e uma zona de crianças sem limite, cuidadas por monitores que são pagos pra não estrangular nossos filhos sem noção.

e mesmo com tantos exemplos de “famílias” fazendo besteira atrás de besteira na educação dos seus filhos, procriando feito coelhos e colocando milhares de pessoas no mundo sem a menor preocupação de torná-las serem humanos decentes, o asno do artigo sobre adoção ainda defende a estrutura “familiar tradicional”. sem nenhum medo de errar afirmo que pais adotivos homossexuais e as tais comunidades hippies (ahn?!) serão melhores pais para os seus filhos que estes imbecis das festas milionárias, ou os tantos imbecis que simplesmente colocam crianças no mundo sem nenhum empenho em educá-las.

para se constituir família não é preciso ter filhos, pra começar, meu senhor. há famílias SEM filhos também. não é preciso 1 homem + 1 mulher + crianças. este senhor vive na idade das trevas, assim como seu coração seco e duro, apoiado pelo seu pobre cérebro limitado.

precisamos dar às crianças afeto, tempo, dedicação. dinheiros, coisas, e “famílias margarina” são dispensáveis, secundários e, no limite, irrelevantes.

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tá difícil ser gente decente nesse mundo, é muito difícil criar filhos ensinando valores diferentes destes que aparecem cada dia mais por aí. muita força nessa subida, viu.

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obrigada, meu filho não precisa de 100 mil reais

December 5, 2012 · 4 Comments

num mundo onde existem coisas como essas, eu não devia me espantar com um BBB de mamães e bebês. mas me espanto, felizmente, em especial por estar num programa que há pouco tempo promoveu opções bem radicais de maternidade, completamente opostas à relação destas mães com seus bebês e as “dicas” de desmame (ESQUEÇAM as bobagens que este senhor falou, por favor).

sim, acho esse programa ruim para os bebês, que são expostos a um ambiente antinatural, com clima estressante e competitivo, enquanto suas mães passam por provas que certamente não as tornam mães melhores. mas pra mim o pior mesmo é o que o programa faz com as mães, que são induzidas pela promessa de que estão fazendo algo de bom para o futuro dos seus filhos! vejam o “mote” do programa: “Esta edição traz muitas novidades para as mães que sonham em proporcionar um grande futuro para os seus bebês.” (grifo meu)

100 mil reais vão proporcionar um grande futuro para os nossos bebês? sério?

antes de dizer (e digo) que aquelas mães estão lá porque querem, oras, que são gananciosas ou simplesmente sem noção, penso que não existe mãe que não queira “proporcionar um grande futuro para o seu bebê”. seja lá como queremos fazer isso, é isso mesmo que queremos. mais do que a mera vaidade ou falta de noção, esse programa joga com o desejo poderoso de toda mãe de ver seus filhos sendo melhores, bem-sucedidos. felizes? aí já não sei.

sei que é um programa com duração limitada, e de verdade não acho que fará MAL a nenhum dos bebês. mas não paro de pensar que essas mães perderam a noção, o norte, quando se deixaram encantar pela promessa do dinheiro ou da fama numa foto de propaganda de pomada.

essa história me leva a pensar no quanto estamos longe de entender o que é felicidade e sucesso, o que é criar um ser humano que possa ser pleno e feliz. é preciso ter dinheiro, fama, estudar em harvard, visitar a disney? sério?

desde que me tornei mãe penso demais nisso: o que quero para o meu filho no futuro? devo comprar imóveis, guardar dinheiro, investir em ouro ou ações? preciso de um fundo de investimento para a faculdade dele, o MBA? será que devo colocá-lo numa escola que o prepare para o GMAT, ITA, USP desde já? devo colocá-lo numa escola bilíngue aos 2 anos, para que ele não precise estudar inglês e fale como nativo sem dificuldade?

de verdade, é isso tudo que está na cabeça dessas mães. são 100 mil para que meu filho seja melhor que o seu, melhor que elas próprias, que seja… feliz?

quanto mais penso nisso, mais acho que não devo me concentrar em TER e PAGAR nada além do necessário. que o que meu filho precisa para ser feliz e bem-sucedido é do meu incentivo e exemplo constantes. ele precisa aprender (sem que a escola precise insistir em formato de apostila para lerdos) a aprender, continuamente. precisa que eu o estimule a fazer perguntas, ser curioso sempre, investigar. precisa aprender disciplina (e nenhuma escola vai ensinar isso melhor do que nós, os pais), para ser livre e poder se indisciplinar o quanto quiser e puder.

obrigada, hipoglós e tv globo, mas meu filho não precisa de 100 mil reais, porque ele tem a nós, ele tem nosso tempo, nossa dedicação, nosso interesse. ele vai ganhar os 100 mil reais que precisar, quando precisar. mesmo que nós fôssemos pobres ele ainda assim não precisaria desse dinheiro, como meus pais e nós 3 nunca precisamos. não seriam 100 mil que mudariam nossa história, pois não é dinheiro na conta que muda a dinâmica de uma família, que forma caráter, valores e motivações de uma criança. e sem isso tudo, 100 mil são simplesmente 100 mil moedas.

todo meu dinheiro vai continuar sendo dedicado a confortos úteis e inúteis, livros, músicas, comida e viagens, muitas viagens. e isso tudo combinado com meu tempo, minha dedicação e exemplo certamente formarão um cidadão com vontade de aprender, com repertório de vida, história e bagagem que nenhum dinheiro consegue comprar.

tenho pena das mamães do programa do hipoglós. espero que elas percebam a tempo que nenhuma promoção de marca alguma no mundo proporciona nada além de ilusão de consumo vazia.

**

PS 1: hipoglós nunca entrou nesta casa, e depois dessa não entrará mesmo; TV globo já não faz parte da nossa vida há muitos anos, e cada novo “evento” confirma a sapiência da nossa decisão.

PS2: a melhor forma de regular o consumo e dar o exemplo para os nossos filhos é não consumir, ou consumir o mínimo necessário. cabe a cada um de nós mudar o mundo.

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o que vive na escuridão

October 2, 2012 · 8 Comments

acho muito bonita essa interpretação astrológica para o mito da hidra, um dos trabalhos de hércules. embora não esteja certa que a hidra foi enfraquecida pela simples exposição à luz (como menciona a interpretação astrológica), essa versão vai ao encontro da minha argumentação, e vou usá-la 🙂

aviso: não sou psicóloga, aliás, não sou especialista em nada, então por favor sempre me leiam considerando que são somente minhas opiniões, baseadas no que sei e vivi. isso não é um tratado, é somente uma reflexão pessoal.

a hidra é um monstro venenoso, horrível e mortal, que se esconde no pântano, na lama, na escuridão. fica submerso, tornando ainda mais difícil vê-lo e obviamente matá-lo. a estratégia do herói é a de trazer o monstro à luz do sol, fora do seu ambiente tenebroso, cortando uma cabeça de cada vez e cauterizando cada corte, evitando assim que as cabeças tornem a crescer. e ao expô-lo à luz, sua última cabeça torna-se fraca o suficiente para ser possível neutralizá-la. (curioso que parece que essa última cabeça não é exterminada, mas enterrada)

é impossível pra mim não fazer um paralelo entre a hidra e o inconsciente. não que eu veja nosso inconsciente todo exatamente como um monstro, mas penso que tudo aquilo que desconhecemos, o que habita nosso pântano, pode se tornar um problema sem solução até que consigamos trazer o monstro à luz. se vamos matá-lo ou se ele vai se revelar nada mais que um coelhinho da páscoa é outra história…

suponho que nosso pântano seja cheinho de “montros”, e não tenho certeza que do que faz com que eles saiam de lá e venham nos enfrentar à luz do dia. não sei inclusive se eles saem por si próprios ou se nós os arrancamos de lá, na marra, quando fica impossível viver com eles nos assombrando.

há muitos anos venho escrevendo no meu blog pessoal sobre a famigerada tpm, e a apelidei de “maré baixa” lá em 2002. o que acontece na maré baixa, já viram? quem é de praia sabe bem como é — tudo que ficou preso no fundo do lodo, da areia, se expõe. e nem sempre é bonito de ver, porque aparece lixo, coisa podre, bicho morto, e a lama ao sol, gente, fede. tudo aquilo que fica escondidinho quando a maré está cheia, parecendo que está tudo bem e lindo e cheiroso, vira o horror na maré baixa. daí minha metáfora — o problema não é a tpm, ela é apenas a maré baixa; o problema é o lixo que acumulou, o peixe morreu preso ali, etc. e quando baixa a maré, é hora de limpar, arrumar, organizar, pra que na próxima vez o estrago seja mínimo.

pois eu, que achava que os problemas com a maré baixa estavam resolvidos definitivamente após essa minha “descoberta” (mantenha a “casa” limpa e organizada e a crise na tpm é mínima. funciona!), me deparei com uma forma muito mais intensa e dramática de descobrir hidras muito bem acondicionadas nos seus devidos pântanos — a maternidade.

esses monstros que vêem à tona quando nos tornamos pais/mães são geralmente idosos e cascudos, nasceram lá quando nós éramos crianças, adolescentes e ficaram quietinhos, não nos atrapalhavam a ponto de termos necessidade de arrastá-los para a luz e matá-los. quando deixamos de ser filhos somente e nos tornamos pais, alguns destes monstros acordam e se manifestam de forma inconveniente, irritante e — o pior dos piores — como repetição de histórias que odiamos e queríamos esquecer para sempre.

é no meio de uma crise de birra e choro do seu filho que você vai escutar saindo da sua boca — para espanto absoluto seu, inclusive — a frase, aos gritos, “pára de chorar, que não tem motivo nenhum pra você estar chorando!”. ou (com sorte) vai perceber que acaba de dizer pro seu filho que esse jeito que você acaba de ensiná-lo a, digamos, desenhar uma bola, é o CERTO.

certo versus errado; repressão de sentimentos; relação com comida, afeto, animais, idosos, deficientes, pretos; — quer continuar a lista?

não sei dizer quantas coisas eu me vejo dizendo, fazendo ou mostrando para o otto que revelam MUITO sobre mim mesma, sobre como fui criada, sobre todas as limitações e restrições da educação que recebi. às vezes me vejo como se estivesse de fora, e me assusto. todo dia, toda hora é uma surpresa. sabe aquela música dos 80’s, “eu realmente não sabia que eu pensava assim”? pois é. eu não sabia que pensava e sentia muita coisa. estou revendo minha própria educação, modelos, valores passar bem na frente dos meus olhos quando procuro meu próprio caminho para educar o otto.

e esse filme, apesar do roteiro legalzinho ;), nem sempre é bonito.

conhecer-se é fundamental para ser feliz, e também para ser um bom educador. ou pelo menos o melhor educador que você puder ser. porque erros serão cometidos, é inevitável. mas buscar o acerto, e a melhoria de si mesmo, continuamente, é essencial.

mais do que simplesmente “acertar” com meu filho, quero ser a melhor mãe que ele pode ter, e pra isso preciso me tornar melhor sempre, a cada dia. me conhecer, rever, mudar. preciso primeiro perceber que as hidras existem, expô-las à luz e acabar com elas.

até que venha a próxima. ser pai, e mãe, é ser herói de si mesmo, e esse trabalho — diferente do caso do hércules — não tem fim.

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o 1o dia na escola

September 24, 2012 · 15 Comments

decidimos desde que o otto nasceu que ele ficaria em casa, com a babá, até completar 2 anos. a decisão foi tomada junto com o pediatra, que nos aconselhou a evitar escola antes dessa idade principalmente porque o sistema imunológico do bebê não está completamente desenvolvido até os 24 meses e a incidência de doenças é muito grande, dando um trabalho danado para os pais (lembre que a maior parte das escolas e creches não aceitam crianças doentes, elas precisam ficar em casa quando estão com febre, por exemplo).

mas só pra esclarecer: nós somos adeptos da filosofia de que a exposição aos germes é importante para a saúde, deixamos o menino lamber o chão, beijar o cachorro, comer terra, enfim. nossa decisão tinha mais a ver com comodidade que qualquer outra coisa.

além disso, a maior parte das crianças toma iniciativas de socialização com outras crianças por volta de 2 anos somente. antes disso, elas brincam fisicamente juntas, mas cada uma no seu próprio mundinho, sem de fato socializar. ou seja — ele não estaria perdendo muita coisa nesse aspecto.

chegando perto dos 2 anos, percebemos que o otto começou a se interessar mais por outras crianças, e principalmente que estava ficando mimado demais (tudo é dele, não aceita ser contrariado, etc,.). sabemos que faz parte da idade, e sendo filho único fica complicado não dar atenção excessiva e mimar. mas ficar o dia todo com uma babá que é praticamente avó dele (faz tudo que ele quer e mais um pouco) estava nos preocupando. somos bastante rígidos com ele (ou pelo menos tentamos!) e temos horror de crianças mimadas. colocá-lo na escola logo que completasse 2 anos era essencial pra nós.

depois de uma pequena pesquisa na cidade (moramos em vinhedo), optamos por uma escola waldorf. vimos opções construtivistas também, que achamos interessantes, mas além da abordagem pedagógica (da qual falo daqui a pouco), o que mais nos encantou na escola que escolhemos foi o espaço físico, com poucas crianças e o menu de almoço. a escola é uma pequena chácara, com 2 turmas somente (maternal e jardim) e 1/2 período. muito espaço verde, todos os brinquedos de madeira e pano (materiais naturais) e um cardápio orgânico muito próximo da forma como alimentamos o otto em casa até o momento: nada industrializado no dia a dia, sem temperos excessivos, sem açúcar e doces. muitas frutas, comidas preparadas em casa.

novamente, não somos radicais-odara. o otto come pipoca, feijoada, bolo, chocolate, já comeu salsicha e linguiça, mortadela, enfim. mas nada disso é regra, é sempre exceção. no dia a dia, ele come arroz, feijão, proteínas variadas na semana (frango e ovo só orgânico), verduras e legumes orgânicos na sua maoria (quando não tem também não estressamos, come o que tem), sem sal e sem açúcar, pouco tempero, muitas frutas e de vez em quando bolo simples feito em casa. ele não come “sobremesa”, somente frutas depois das refeições, não come frituras e nem embutidos. suco só damos de laranja natural (feito na hora) e de uva orgânico (ele nem gosta tanto assim de suco, na verdade). mas quando comemos fora damos batata frita, bolo. o que nunca demos e não pretendemos dar antes que ele seja bem maior é refrigerante (tratamos como bebida alcoólica — é de adulto e ponto final) e balas/pirulitos. de resto, é isso: fazemos o melhor no dia a dia, e concedemos exceções sem problema.

voltando à escola: a alimentação segue os mesmos princípios que nós seguimos, com a vantagem de colocá-lo pra comer na mesa, junto aos coleguinhas (seja o que zeus quiser quando ele começar a almoçar lá… a bagunça vai ser épica). uma das coisas que nos animou quanto ao sistema waldorf foi que eles não têm “aulas” para crianças até os 6 anos completos. eles não ensinam letras, números, absolutamente nada que se pareça com alfabetização ou coisa assim. as crianças aprendem atividades manuais e criativas somente, são livres para brincar e desenvolver outras habilidades tais como pintar, cantar, tocar instrumentos, desenhar e até cozinhar.

quem tem a expectativa de ver seu prodígio fazendo contas e lendo antes dos 7 anos não deve ficar muito contente com a abordagem, mas pra nós ela pareceu perfeita. somos muito mentais, eu e o fer. fomos alfabetizados muito cedo, somos ambos excelentes em matemática e sempre estivemos entre os primeiros das nossas turmas. valorizamos bastante o intelecto, e exatamente por isso achamos que precisamos balancear de alguma forma esse nosso modus operandi inconsciente para com nosso filho. é natural que o otto aos 2 anos conte até 40 (e aumentando a cada semana…) e já saiba todas as letras do alfabeto. isso aconteceu sem que a gente percebesse, mas certamente tem influência nossa, mesmo que inconsciente.

sabemos que nosso filho não é um gênio (esses são gênios, vejam os números 8 e 9. o número 8 aos 2 anos fazia operações algébricas…), ele simplesmente responde ao ambiente em que vive. queremos que ele tenha oportunidade também de ser exposto e experimentar coisas que nós não oferecemos de forma natural (aquarela, e outras atividades criativas) simplesmente porque somos quem somos. nós vamos querer ensinar o otto a andar de bicicleta, plantar, cozinhar, ver filmes, ler livros e gibis, fazer contas e jogar jogos. são as coisas que nós gostamos de fazer, nossa zona de conforto.

não sabemos ainda se essa pedagogia vai nos deixar confortáveis depois dos 6 anos. pretendemos visitar as opções de escolas waldorf na região para crianças maiores, e então decidir. mas por enquanto estamos confiantes que essa é a melhor opção pra ele, que já se mostra um menino bastante organizado e um tanto perfeccionista (impressionante como isso já se manifesta aos 2 anos!).

**

é claro que estávamos tensos com sua primeira experiência na escola. ele sempre foi muito mimado e protegido, não só por ser filho único mas porque nasceu numa circunstância muito preocupante. ainda há o fantasma de possíveis seqüelas do parto (por mais que os pediatras que consultamos tenham nos assegurado que tudo está indo muito bem), qualquer bobagem que todo mundo diz que é normal, como ele começar a falar somente aos 20 meses, nos preocupa.

e existem as outras crianças do mundo, aquelas que podem morder, bater ou simplesmente chatear nosso filhinho querido. ele vai chorar? vai sofrer? como podemos poupá-lo, afinal?

não sou uma mãe diferente das outras, é claro que me preocupo com meu filho. mataria e morreria por ele. mas quando me comparo ao pai dele, percebo que não sou superprotetora, e que desejo com certa ansiedade que ele comece a enfrentar dificuldades típicas de tornar-se um ser humano: confrontar diferenças, lidar com a frustração, aprender a dividir, aprender a defender-se, entender que o mundo não gira em torno dele, aprender a negociar e lidar com o outro.

por mais que eu vá sofrer quando ele sofrer (é inevitável. não é possível ser mãe e não se doer pela dor do seu filho), estou absolutamente certa que enfrentar frustrações e dificuldades o quanto antes fará dele um adulto melhor, vai ajudá-lo a lidar melhor com as adversidades para o resto da vida. minha missão como mãe é prepará-lo para ser um adulto independente, que sabe ultrapassar obstáculos porque tem confiança em si mesmo e sabe que é sempre possível tentar de novo, mudar, adaptar-se. se conseguir isso, considero minha missão como mãe e educadora cumprida.

e parte dessa missão é deixá-lo responder do jeito dele às barreiras e desafios. orientando e acolhendo, sempre, mas sem sufocá-lo ou protegê-lo da realidade.

e foi com esse espírito que no 5o dia da adaptação na escolinha eu coloquei ele no chão, ajeitei a mochilinha nas suas costinhas pequenas e deixei andar SHOJINHO (sozinho, como ele pediu, e eu respeitei) até sua professora. lá dentro, eu o convenci a guardar a mochila e entrar na sala (ele queria ir para o quintal, claro), avisei que iria trabalhar e que ele ficaria lá com os amiguinhos e as professoras. e ele me deu um beijo contrariado (não por eu ir embora, mas por ele não poder ir para onde queria) e saiu andando, sem nem olhar pra trás.

tive tanto orgulho dele! e tive orgulho também de mim, porque não sofri nem um pouco e fui muito feliz naqueles instantes de demonstração da independência dele. tive toda a certeza de que sou e serei uma boa mãe, que não sufocarei meu filho e nem terei crises de depressão no dia em que ele for viver sua vida independente da minha.

foi só um instante, um beijo e um tchau, mas foi também a projeção de um futuro possível e totalmente coerente com tudo que acredito. que ser mãe não é padecer no paraíso, nem sofrer. ser mãe é contribuir para um mundo melhor através da criação de pessoas cada vez melhores, mais felizes, confiantes e independentes.

vá ser feliz, chorar, sofrer e descobrir as maravilhas do mundo, meu filho querido. não estarei sempre do seu lado fisicamente, mas estarei sempre junto cada vez que você virar as costas e andar sem mim, pois minha missão foi muito bem cumprida se você simplesmente souber que é capaz de tudo que quiser.

PS 1: a propósito, hoje cedo deixei ele de novo na escolinha e fui embora (desta vez ele fica a manhã toda). novamente ele fez questão de usar a mochila ele mesmo, mas me deu a mão para entrar. entrou sozinho, me deixou ajudar com a mochila e me deu um beijão e um sorriso de tchau, antes de ir cuidar da sua vidinha.

PS 2: ele agora não pode entrar no carro que quer ir para a “ecolinha”. voltou ontem da escola sorrindo e repetindo o caminho todo “tá feliz! tá feliz!”. como não ser feliz junto?

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só no filé

June 26, 2012 · 18 Comments

já disse e repito: sou a favor de escolhas. acho que cada mulher deve mesmo ter o direito de parir onde e como quiser. parto é um processo fisiológico, individual e não deve ser tratado como condição médica. a intervenção deve acontecer quando necessária, e somente com consentimento da gestante ou da família. no mais, os profissionais da saúde devem apoiar o parto, dar segurança à gestante e garantir que em caso de problemas a devida assistência será dada. acho legítimo e muito interessante parir em casa, com a assistência de médicos qualificados, doula, obstetriz, com o apoio da família, enfim, o que quer que a gestante escolha e se sinta à vontade em encarar.

dito isso, quero fazer algumas considerações sobre a marcha do parto domiciliar, este é o motivo do post. acho incrível que mulheres se reúnam e saiam às ruas para defender o direito de parir em casa e ter um parto natural ao invés de irem a um hospital, especialmente num país cujo índice de partos via cesárea é muito superior ao recomendado pela OMS. parir naturalmente é melhor para a mãe e para o bebê, e o índice de partos normais nos hospitais públicos vem subindo, felizmente. com mais rigor e acompanhamento dos motivos de cesárea creio que em alguns anos esse número chegará a um nível aceitável.

e chegar a 15% ou menos de incidência de cesárea é suficiente ou significa que os direitos da mulher estão garantidos? NÃO, é claro que não. porque mesmo quando parto é normal, em hospitais públicos e privados, quase nunca há respeito pelo direito da mulher de viver seu processo de parto, escolher posição, quem estará acompanhando. quase sempre as mulheres são sujeitas a episiotomias “preventivas”, procedimento extremamente invasivo e francamente quase tão impactante quanto uma cesárea, apesar de menos arriscado (o impacto deste procedimento na vida sexual da mulher e sua autoestima são significativos, e não devem ser esquecidos).

gestantes são frequentemente chamadas de “mãezinha” por enfermeiras e médicos, como se não tivessem nome e identidade, e no momento em que deviam estar no controle do processo, são infantilizadas ou desrespeitadas. quantos já ouviram histórias sobre mulheres em trabalho de parto sujeitas a frases como “na hora de fazer tava bom, né? agora aguenta!”. e pior: precisam passar por isso num dos momentos mais difíceis e impactantes da vida de uma mulher, que é trazer ao mundo seu filho.

ou seja: na rede pública, 67% das mulheres são sujeitas a partos cirúrgicos (com todos os riscos envolvidos) com recuperação lenta e dolorosa (quem acha que cesárea é moleza é porque não passou por uma, obviamente); os outros 43% das “sortudas” que fazem parto normal estão sujeitas a trabalhos de parto sem apoio emocional e não raro tratadas com desrespeito no processo. animador, não?

vou dar um chute aqui, para efeito de argumentação — suponho que cerca de 90% das mulheres brasileiras usam o sistema público de saúde para dar à luz. muitas sem pré-natal, diga-se, seja por ignorância seja por falta de estrutura da rede de saúde.

diante deste quadro, volto à marcha e ao parto domiciliar — vocês sabem quanto custa esse parto domiciliar defendido na marcha, quando cobra uma obstetriz ou um médico como o jorge (com o qual me consultei, quando grávida. ele é ótimo!)? cerca de R$1.500 o médico e mais uns R$1.000 a doula/obstetriz. além das consultas de acompanhamento, claro, todas particulares e nunca menos de R$400. faça as contas, por favor, e voltemos aos 90% da população.

parto domiciliar é assunto para mulheres RICAS. mulheres pobres têm seus filhos em hospitais, aqueles que descrevi lá em cima, ou nas (raríssimas) casas de parto, que enfrentam inúmeras dificuldades, inclusive para se manterem abertas graças ao preconceito e à pressão de médicos para fechá-las. bem, e as mulheres paupérrimas têm seus filhos em casa, como as ricas, porém sem o auxílio luxuoso de profissionais.

chego finalmente ao assunto que me motivou a escrever o post: chega a ser um pouco ridículo ver a elite das mulheres, representantes orgulhosas do feminismo, sair às ruas de grandes centros para protestar pelo direito de parir em casa, considerando que essa opção só existe para mulheres que são ricas e representam a minoria da população.

onde estão as marchas, blogs, tweets, abaixo-assinados e campanhas online desse público engajado para melhorar as condições de parto da maioria das mulheres? não seria mais útil e humanitário fazer barulho e lutar por melhores condições de parto considerando a realidade da maior parte da população feminina?

uma coisa não invalida a outra, é claro, que venham mais marchas e protestos. mas se for para protestar e apoiar movimentos, da minha parte gostaria de ver estas mulheres muito mais engajadas em mudar as condições para TODAS e menos preocupadas com as que podem pagar pequenas fortunas para exercer seu direito de escolha (e já o fazem, a propósito). queria ver estas mesmas mulheres defendendo a descriminalização do aborto, tratamento humanitário em hospitais, mais casas de parto, pré-natal disponível para todas.

o que vejo, aqui à distância e metaforicamente, são mulheres ricas (antes de dizer que não são, que não somos ricas, lembrem da distribuição de renda, pensem bem…) protestando pelo direito de comer filé e não pé de galinha. com suquinho de maçã.

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em uma palavra: empatia

May 23, 2012 · 30 Comments

pretendo escrever sobre este assunto pela última vez, não só porque não sou engajada e nem tenho tempo para bandeiras mas principalmente porque ser mãe é muito, muito mais que parir. é, eu sei que quando estamos grávidas do primeiro e único filho sentimos que aquilo é a coisa mais importante e intensa e uau! e etc. mas a verdade é que o restante, o que vem depois, é mais intenso, mais punk, mais incrível e (é óbvio, mas enfim…) mais importante.

já afirmei aqui inúmeras vezes que sou 100% a favor de parto natural. sem drogas, sem intervenção, completamente humanizado. e que acredito que quem faz o parto é, sim, a mãe. processo fisiológico, complexo, intenso e cheio de significado, e que deve sim ser conduzido pela grávida. médicos devem ser apoio, suporte, ajuda, e nada mais. a menos, é claro, que a gravidez ou o parto sejam caso médico, o que é realmente a minoria.

acho que os médicos são mal preparados para lidar com partos. tratam como procedimento médico, não sabem lidar com o imprevisto, são muito inseguros quanto ao processo fisiológico e se apegam em horas, dias, tamanho. muitas métricas para tentar controlar o que não é tão simples controlar (e por que afinal precisa ser controlado?). acho que os médicos têm muito a aprender com as parteiras, e as próprias parturientes. deviam aprender a acompanhar o processo, e se adaptar à realidade de cada ser humano que atendem, aprendendo a cada experiência, ao invés de repetir mecanicamente procedimentos. aliás, todos os médicos deviam ser assim, não? (mas essa discussão de perfil do médico é OUTRA, não cabe aqui)

dito isso, lembro que meu parto foi um pesadelo. a gravidez foi perfeita, eu sonhava (e me preparei) para um parto natural e humanizado, ainda que dentro de uma maternidade, que foi minha opção. na prática, fiz uma cesárea de emergência e meu filho quase morreu. além de ter passado por um risco IMENSO de ter sequelas. felizmente ele aparentemente não tem sequelas (nunca saberemos com 100% de certeza, na verdade), mas a experiência do parto emergencial e filho na UTI por 8 dias foi horrível, não desejo pra ninguém.

ordenhei desde o primeiro dia, quando o otto nasceu, e jogava o leite fora, pois ele não podia ainda se alimentar e não era possível congelar no hospital. essa rotina, além de fisicamente desgastante foi muito difícil, pois me lembrava a cada ordenha que ele devia estar ali, se alimentando, e estava numa estufa na UTI. fer e eu visitávamos o menino a cada 3h no mínimo, às vezes mais, e só saímos quando nos expulsavam, ou quando eu precisava descansar. passei por uma cirurgia muito pesada e estava ali, andando pra cima e pra baixo pra visitar meu filho, cantar pra ele, acariciar seu corpinho pela parede da estufa. e no quinto dia depois de nascido eu pude finalmente pegá-lo no colo e dar o peito, e ele mamou tranquilamente, sem dificuldade. e eu tinha tanto medo de perdê-lo, dele ter algum problema, que nem me deixei apaixonar nestes primeiros dias. vivi dias de sombra, anestesia emocional. foi só quando ele chegou em casa que me permiti sentir amor, emoção, apego, e tudo o mais que precisava sentir. adoeci enquanto ele estava na UTI, e era tudo emocional. stress, medo, tudo misturado.

meu plano de parto deu todo errado. mas eu continuava a mesma pessoa, procurando fazer o que achava melhor pra mim e pra ele, a partir dali, depois do trauma todo. e aqui é que começa o que eu realmente quero dizer pra vocês sobre os movimentos e grupos de parto humanizado e “maternagem” (vejam que é preciso inclusive inventar uma palavra nova para a atividade mais antiga desde que o primeiro animal apareceu nesta terra).

não existe apoio, conforto e nem empatia deste grupo seleto de mulheres que “buscam os melhor para si mesmas e para seus filhos” quando acontece de você parir seu filho via cesárea. a única explicação possível é que você foi ENGANADA (ou seja: é ignorante ou idiota). e que infelizmente seu parto não é um parto, é uma cirurgia. e que seu vínculo com seu filho jamais será igual ao que as mães-de-verdade têm, porque afinal o vínculo se estabelece no instante em que a criança nasce e é colocada no seu colo ou no seu peito.

vocês leram tudo que escrevi ali em cima, sobre minhas crenças antes da maldição da cesárea se abater? ofereço mais informação: consumo alimentos orgânicos, sempre prefiro este tipo para o meu filho e para minha família. tudo feito em casa. sou contra deixar bebê chorando, sou a favor de amamentação em livre demanda (e assim fiz, até quando o otto quis e meu horário de trabalho permitiu), não tenho nada contra os pais dormirem junto com os bebês, e acho que lugar de bebê é no colo.

parece que sou parte da minoria, e que me daria muito bem nestas comunidades, certo? ERRADO.

procurei informação e apoio através da leitura de blogs e sites sobre parto, amamentação, maternidade em geral, e em todos que se preocupam com as coisas que eu me preocupo predominam as xiitas. ou você abraça completamente a “causa”, ou é mãe-de-cesárea. não há lugar, nestas comunidades, para mulheres que fazem opções diferentes das que elas propõem como perfeitas ou “naturais”. exemplifico: quando relatei meu caso, ouvi / li coisas como “ah, mas isso só aconteceu porque você foi para o hospital e aceitou a indução do parto. se tivesse ficado em casa, o menino poderia ter nascido sem complicações”. é, ele poderia ter morrido também, já que eu estava com 38 anos tendo meu primeiro filho e ele teve compressão de cordão. mas vamos convenientemente esquecer essa probabilidade.

também li que meu cansaço e saco cheio com o bebê pequeno, a rotina intensa de amamentação eram consequência do meu parto. cesárea = não tem vínculo = fico cansada e de saco cheio de cuidar de bebê o dia todo.

aí eu pergunto: por que mulheres que são minoria, e estão lutando pelo direito a parir e criar seus filhos de uma forma alternativa, anti-mainstream, são tão incapazes de sentir empatia por outras, como eu, que estão MUITO mais próximas delas do que das mães que marcam hora da cesárea logo depois da manicure e alimentam os filhos com danoninho?

eu respondo — porque elas deviam estar lutando pelo seu próprio direito de escolha, mas estão lutando na verdade contra as escolhas DOS OUTROS. é tudo ou nada: se você fez uma cesárea e não se arrepende e não tem ódio de médicos e do “sistema”, você é um DELES, e não merece simpatia alguma.

mas elas são minoria, então por que você se importa e reclama? porque a causa delas É A MINHA TAMBÉM, só que elas estão estragando tudo! e é minha causa parcialmente, claro, pois não concordo com o pacote todo. mas quando pessoas radicais e que, no fundo, só se importam com “a causa” predominam, a mensagem importante que está por trás disso tudo se enfraquece. eu mesma me sinto muito menos inclinada a defender essa bandeira, já que fui excluída da “patota” porque não guardo rancor contra minha médica e nem acho que cometi nenhum erro. foi como foi, e sigamos.

alguém cruel pode dizer que eu sou contra esses grupos porque fui excluída, que é puro rancor e despeito porque não “consegui” parir. já devem ter dito, aliás, se me lembro de alguns comentários aqui no blog. a verdade é bem mais simples e menos intrincada emocionalmente: eu sou pró escolha. em todas, absolutamente TODAS as instâncias da vida, desde a concepção de um filho até o dia da própria morte. e estas senhoras tão cheias de boas intenções, no frenesi do “empowerment”, esquecem que todas as escolhas são possíveis e ABSOLUTAMENTE TODAS devem ser respeitadas.

acho incrível alguém se permitir dizer a uma mãe que seu amor por seu filho é menor porque ele nasceu através de um corte na barriga e não através da vagina, ou porque mamou na mamadeira e não no peito. seja por ignorância ou por escolha, esse julgamento devia estar fora de questão. o empenho devia estar na informação, educação, apoio e não no julgamento! afinal, por ignorância ou simples opção, escolhas devem ser respeitadas.

no mais, vida longa a todos os blogs e sites com informação sobre parto natural, amamentação, contato prolongado com o bebê. a grande maioria das mulheres realmente precisa de mais informação para tomar decisões melhores e com mais confiança, sem precisar delegar a outros a decisão sobre seu corpo e sua vida.

update 1: excelente artigo sobre tolerância, completamente relacionado a esse assunto, dica da denize barros.

update 2: não mencionei isso no post, mas é tão importante que resolvi atualizar. tenho certeza que o parto/amamentação no peito/proximidade da mãe nos primeiros meses de vida faz MUITA diferença para o bebê. mas se fosse TÃO determinante, pobres dos seres humanos adotados, não? estariam condenados para o resto da vida! não duvido se encontrar por aí alguém dizendo que amor pelos filhos adotivos não é igual ao que temos pelos filhos biológicos.

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intuição my a$$

March 21, 2012 · 2 Comments

eu já não acreditava em intuição como algo sobrenatural antes de engravidar e ser mãe. quando a gente ainda não é mãe, sempre tem alguém pra dizer “quando você for mãe, vai entender…” ou “ah, quero ver quando o bebê nascer! você vai mudar”.

não mudei nada. continuo achando que intuição não é sexto sentido, continuo achando chato cuidar de crianças. amo o otto de todo coração e gosto de ficar com ele, brincar e tal, mas simplesmente porque ele é meu filho e tudo que ele faz me interessa e é lindo. todas as demais crianças eu continuo achando legais nos 10 primeiros minutos e depois já quero um drink 😀

mas voltando à questão de intuição, achei essa matéria sobre como funciona o pressentimento, e achei muito legal. confirma o que sempre acreditei: intuição ou pressentimento nada mais são que nosso cérebro reconhecendo sinais não verbais antes da nossa consciência. e mulheres são especialmente boas em captar sinais não verbais, creio que até como especialização evolutiva, afinal somos nós que cuidamos dos bebês, que passam anos sem se comunicar verbalmente de forma eficiente. essa nossa habilidade (nada sobrenatural, inclusive) é tão somente uma evolução do que funciona melhor.

mas isso não significa, em absoluto, que todas as mulheres são intuitivas e muito menos que a intuição funciona 100% por si só. uma das coisas mais importantes e essenciais na evolução e dominação do ser humano como espécie é o acúmulo de conhecimento e principalmente a propagação dele para as gerações futuras. o conhecimento se propaga de várias formas, de geração a geração: escritos, vídeos, arte, etc. mas principalmente através da cultura, dos conselhos dos mais experientes. ou seja: precisamos de ajuda, de conselhos, do conhecimento adquirido pelas gerações anteriores. o conhecimento nos dá as opções e a intuição pode nos direcionar para decidir o que vamos fazer.

estou certa de que usar a intuição sem conhecimento é pouco eficaz. por isso me incomoda muito essa onda de “volta às origens” exaltando a intuição e o “natural” como a coisa certa a fazer. até porque as mães-odaras-cheias-de-energia-positiva-e-intuição-aguçada esquecem que viver em grupo e usar os conhecimentos das gerações anteriores é que é “natural”. um casal (2 pessoas) criar filhos sozinhos, no contexto e história da espécie humana, é completamente antinatural. ouvir conselhos, receber ajuda, dividir a carga de criar uma criança com mãe, avó, irmãs, amigas é o que mais se aproxima da forma “natural” de criar crianças.

sim, faça sempre o que “sentir” que é a melhor coisa para o seu filho, pra você e sua família. mas não deixe de ouvir conselhos e procurar ouvir o que outras pessoas mais experientes têm a dizer, antes de decidir. nem que seja do seu XAMÃ 😀

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a educação para o mundo

February 14, 2012 · 10 Comments

desde sempre ouvi por aí que “devemos educar nossos filhos para o mundo”. como me parece simplesmente bom senso, assumi que todos os pais se preocupariam com isso e, ora, educariam seus filhos “para o mundo”. talvez o óbvio e o bom senso não sejam tão óbvios assim, porque o tempo todo me deparo com pais excessivamente permissivos (ou ausentes, ou ambos ao mesmo tempo!) e filhos totalmente despreparados “para o mundo”. não, é pior do que despreparados, eles são péssimos contribuidores para um mundo já caótico, com recursos escassos e cheio demais.

a mim parece claro que vivendo num mundo com essas caraterísticas — superpopulado e com recursos escasseando — devíamos nos preocupar em cultivar e ensinar a gentileza, o cuidado com o excesso, o aprendizado do respeito pela natureza e pelo próximo, a paciência para lidar com as inúmeras frustrações que teremos pela frente, cada vez mais.

o que se vê pela rua, pela vida, aos montes, é o inverso: pessoas rudes (e nas redes sociais ainda mais, protegidos atrás dos seus teclados), desperdício, condescendência com a falta de educação, indulgência e a muleta do “isso não é problema meu”.

no que diz respeito à educação de crianças, como disse em outro post, o que realmente me choca não é crianças serem crianças e testarem os limites dos adultos, mas os adultos permitirem sem dizer NÃO. crianças gritam e fazem bagunça em locais que não são sua casa, desrespeitam ordens diretas e os pais não dizem não! às vezes simplesmente se omitem (porque de fato CANSA dizer a mesma coisa o dia todo) ou inventam desculpas para a falta de disciplina (“ela é muito agitada, sabe?” ou “ele tem muita energia!”).

disciplina é uma habilidade essencial para absolutamente tudo na vida. por mais que se escolha não ser disciplinado em qualquer momento, é preciso que essa habilidade seja ENSINADA. se alguém quiser optar por ser indisciplinado de forma consciente, que arque com as consequências (e isso também precisa ser ensinado).

que bem para o seu filho e para o mundo estará fazendo o pai/mãe que se exime de ensinar disciplina, respeito pelo espaço do outro e que sempre haverá consequências para a falta de respeito, a desorganização, a grosseria?

gostei muito deste artigo que compara mães francesas às mães americanas, justamente porque fala sobre ensinar paciência, disciplina, respeito, com muita firmeza. dentro dos limites (que são frequentemente aqueles estabelecidos pelos outros seres humanos ao redor), podemos ser livres. ser livre, criativo e “energético”, não é sinônimo de ser inconveniente e cheio de vontades à revelia dos demais.

brasileiros (latinos, talvez?) são ainda mais permissivos que americanos com suas crianças. vivemos na ditadura dos pequenos, temos que nos submeter à vontade deles e aos seus comportamentos inconvenientes porque “são crianças”, afinal?

não creio que esse seja o melhor caminho. talvez seja o mais simples, o que dá menos trabalho. ou que nos faça sentir menos culpados, já que passamos boa parte do dia longe dos nossos filhos e queremos compensar.

quando me bate a preguiça ou a culpa quando preciso ser firme com meu filho (e sei que ele vai ficar triste), penso que estou ajudando sua versão futura a ser mais sociável e feliz, que ele sofrerá menos com as frustrações muitas que certamente virão, vivendo neste mundo cheio de gente e dificuldades.

não sou mãe francesa, eu sei, mas vou me esforçar muito pra ser cada vez mais. com firmeza e muito amor.

Categories: educação · maternidade