lendo de verdade

além das técnicas de leitura que comentei neste post, tem mais umas coisinhas a respeito de modo de leitura que gostaria de compartilhar.

vamos começar do começo: ler é uma atividade que nem sempre dá prazer. às vezes temos que ler livros ou textos muito chatos, densos e difíceis. eu separo bem separadinhos os meus tipos de leitura, pois o método é completamente diferente dependendo do objetivo.

pra facilitar vou separar as leituras em 2 categorias somente: lazer e aprendizado. não, pedro bó, não quer dizer que quando estou me divertindo não estou aprendendo e vice-versa.

o prazer de ler

tem gente que encara a leitura como algo além do prazer de se envolver em mundos paralelos, é uma forma de se destacar dos seus semelhantes. mais ou menos como os rappers que usam aqueles colares gigantes com muito ouro e diamante: é importante e essencial exibir o que conquistou, citar, comentar, ter opinião, etc.

eu não sou desse tipo: leio pra me divertir, ponto final. a maior parte das vezes me divirto com livros de ficção, às vezes com quadrinhos, e poucas vezes com livros de filosofia ou história. não me considero melhor que ninguém pelo volume ou qualidade de coisas que li, mas não fui sempre assim. eu era uma jovem leitora extremamente pretensiosa e julgava as pessoas pela faculdade que tinham ou não frequentado, pelos livros lidos ou não lidos. aprendi que usar essa medida para julgar pessoas é roubada e que eu era uma ignorante metida a besta.

com a idade percebi que sou uma contadora de histórias por natureza, então uso as histórias que leio, vejo ou escuto para entreter os outros, seja recontando o que já ouvi ou contando/inventando minhas próprias histórias.

quando leio por prazer, a regra é simples: eu devoro a história. não quero nem saber quando foi escrita, se o autor é preto ou branco. me entrego totalmente ao enredo, rio e choro, torço pelos personagens e me permito sentir profundamente o que a história despertar. mergulho tão de cabeça que passo dias “vivendo” aquela história e seus personagens, sonho com eles e falo deles, aquilo tudo se torna parte da minha realidade. e sofro quando acaba, me despeço com tristeza da última página. não é incomum eu reler pelo menos o primeiro capítulo depois de terminar o livro.

minha dica é: se entregue, apaixone-se pelas histórias. mande à merda o que a crítica diz, o que seu amigo acha. todas as histórias são pessoais, tocam cada um de forma diferente. não se deixe influenciar por opiniões e inseguranças, não fique na defensiva. é mais ou menos o mesmo conselho que eu daria para ter sexo de boa qualidade 🙂

quando é preciso ser eficiente

e tem aquelas leituras que precisam de atenção diferenciada. como só sei pensar analiticamente, então vamos às sub-categorias de leitura que criei pra mim: aprendizado, informação e análise. pra este tipo de leitura eu sempre uso as técnicas que comentei no post linkado ali em cima: pesquiso autor, data, contexto e anoto muito.

quando preciso aprender alguma coisa, a técnica que mais ajuda é a anotação. faço anotações em formato de mind mapping ou tópicos, desdobrando hierarquicamente. fica um desenho bem maluco, com setinhas e destaque de palavras-chave. aliás, palavras-chave são essenciais pro meu aprendizado e fixação: lembro muito mais daquilo que anoto e das palavras-chave que extraí dos pedaços de texto.

pra que a anotação seja eficiente, no entanto, é importante conseguir identificar “blocos” de informação nos textos. preste atenção quando estiver lendo: o autor conduz nosso pensamento apresentando conceitos, argumentos, citações, etc. normalmente essa condução é feita em passos, o autor nos leva pela mão. se você conseguir identificar esses passos durante a leitura e resumir cada um deles, ao final da leitura suas anotações serão um resumo esquemático que ajuda não só a fixar como também a compreender o todo e estabelecer relações entre as partes.

faça um exercício simples: pegue um artigo de revista (2 ou 3 páginas) e tente identificar os “passos” ou a condução do autor. para cada passo faça uma anotação com palavra-chave ou uma frase que resuma o conceito ou idéia apresentada. faça isso até o final e depois avalie suas anotações, veja o que ficou da leitura.

leituras de informação são mais simples: faço uma “leitura dinâmica” (sem técnica, é o que eu chamo de “leitura de reconhecimento”, só pra sacar de onde o autor vem e onde quer chegar). se for um livro, dou uma olhada nos capítulos, leio a introdução ou o prefácio, procuro opiniões e críticas sobre o livro, etc. a idéia não é esgotar o assunto, mas me preparar para o que vem pela frente.

pra este tipo de leitura eu também faço anotações, mas não leio com tanto cuidado. vou passando trechos menos críticos (como eu já sei onde ele quer chegar, não é tão difícil perceber o que é retórica ou chover-no-molhado) e o processo é bem mais rápido.

as leituras de análise é que são as mais complexas. não sei se todo mundo precisa fazer este tipo de leitura, mas era bastante comum no curso de história: precisávamos freqüentemente ler textos, analisar o conteúdo e dar opinião a respeito. felizmente, durante o curso, aprendi que dar opinião não é simplesmente dizer “eu acho”, como muita gente faz por aí. o que você acha é geralmente irrelevante num contexto de debate, a menos que você tenha razões para achar o que acha, entende?

bem, nesse caso nem preciso dizer que é absolutamente crítico que seja feita uma pesquisa sobre o autor, época, obra e assunto. também é essencial avaliar quem são os antecessores, predecessores e pares desse autor, pois ele se encaixa num contexto complexo, é importante ter perspectiva. de fato, a palavra-chave para este tipo de leitura é perspectiva.

feita a pesquisa, o método é parecido com o de aprendizado, com uma diferença: eu leio textos de outros autores, sobre o mesmo assunto, e procuro saber de que forma a opinião deste autor que estou analisando repercutiu em relação aos seus pares, predecessores e antecessores. vou dar um exemplo: não faz muito sentido ler hegel sem ler marx e kant, pois suas opiniões dialogam entre si. para entender um é preciso entender os outros!

então, resumindo até aqui: pesquise, leia outras coisas relacionadas, leia com cuidado o texto, anote, resuma e releia o que resumiu.

feito isso, pense. e não preciso nem dizer que essa é a parte mais difícil: anote os relacionamentos, conflitos e convergências de idéias e conceitos. tente lembrar se você já leu alguma outra coisa que possa se relacionar com o assunto sendo analisado. seja crítico, duvide do que leu, coloque as idéias em questão. avalie se você se convenceu do que leu, pense sempre no que perguntaria ao autor, se tivesse oportunidade. procure os links entre partes do texto, entre textos diferentes, procure palavras que o autor usa com freqüência e investigue-as, procure sua origem, quando surgiu e quando começou a ser usada.

aliás, mais uma dica importantíssima: use o dicionário, pelo amor de deus! por mais que você ache que conhece uma palavra, acredite, você não conhece. entenda qual é a origem da palavra, essa informação pode fazer toda diferença quando estamos analisando um texto. há palavras que, sozinhas, explicam toda uma idéia. se possível, investigue no idioma original do autor. ler no idioma original também ajuda a entender certos conceitos e as construções gramaticais podem inclusive nos dar dicas sobre as idéias.

fiz um curso de história antiga na USP ministrado por um professor de grego. ele é filólogo e conduziu seu curso através de análise de textos antigos, em grego! eu não sei grego e nem nunca soube, mas a pesquisa das palavras para tentar decifrar o texto combinada aos livros de apoio já nos abria várias portas de análise. com o auxílio do professor, conseguíamos entender melhor o mundo grego da época através de documentos históricos.

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bem, espero que as dicas sejam úteis! depois de escrever esse post começo a entender porque me irrito tanto com críticos: são pouquíssimos os que de fato têm conhecimento pra dar opinião; dos que têm conhecimento, poucos se dão ao trabalho de realizar análises de fato. e francamente, eu é que não vou ficar lendo opinião de quem sequer se deu ao trabalho de pesquisar e analisar a fundo. e ainda bota banca de fodão…

leigo por leigo, fico eu aqui bem confortável com minha opinião, obrigada.

0 comments to “lendo de verdade”
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  1. Aiai! Pedro bó minha mãe usava pra me chamar quando mais nova! rs

    Boa dica de como proceder as leituras técnicas… eu ainda não consigo fazer mind-maps, acabo fazendo resuminhos que dão certo dependendo do tema… se for programação fica mais difícil fazer um resumo rs

    Beijinho

  2. Ni…ainda bem que somos irmãs!

    Quando a leitura é assustadora ou emocionante, parece que ao virar a página o monstro vai pegar, dai eu viro bem devagar pra ter certeza que não tem nada com entrevista para o vampiro foi assim…o Lestat subindo as escadas e eu receosa em virar a página e ele atacar!)

    Eu até desvio das magias lançadas nos livros do Harry Potter

  3. zel, esse texto vai cair como uma luva para minha enteada de 12 anos… ela adorava ler e agora está perdendo a vontade… claro que os hormônios estão em ebulição. mas suas dicas são maravilhosas! obrigada!

  4. Nossa Zel, incrível!

    Não sei se vc lembra de mim…no ano passado te mandei um material sobre Psicologia da Percepção. Algumas anotações e apostilas sobre o assunto. Vc leu? Teve tempo? Gostou?

    Enfim, ando lendo enlouquecidamente para a faculdade. Anoto tudo nos livros. Muito! Ler sua opnião sobre essas anotações me fez ter uma idéia. Adotar os post-it de tamanho maior (encontrado nas boas casas do ramo). Já que preciso daquelas anotações perto do texto que estou estudando, anoto tudo num post-it. Quando a releitura for feita e o tempo passar não vou mais esbarrar em mim mesma e nas minhas idéias. É só retirar o post-it da página e ter novas idéias, opiniões e conclusões. E se quiser ainda dá pra guardar os posti-it. Tem dado super certo!

    beijos,

    Mariana

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