és o avesso do avesso do avesso do avesso

(porque hoje é o último dia)

por mais batida que seja, adoro sampa, do caetano veloso. gosto da música, que é linda, e não me canso de pensar nessa letra que às vezes parece elogio e às vezes parece xingamento. e faz todo o sentido: são paulo é uma cidade que nos faz amá-la e odiá-la, quase com a mesma intensidade.

a versão que mais gosto dessa música é a de joão gilberto e sua voz de veludo (depois subo a música e coloco o link pra vocês).

não têm sido fáceis esses últimos dias de vida em são paulo. todas as coisas que ainda não conheci na cidade ou quero revisitar agora vêm à minha cabeça; e as coisas que faço sempre que posso vêm ainda com mais força (escapar do trabalho pra almoçar no gopala, dar uma volta na liberdade, passear a pé pela paulista ou tomar um sorvete na oscar freire).

olho a janela da sala às 6 da manhã e vejo prédios sem fim, até o serra do mar (que se vê a olho nu da minha janela, nos dias claros), o céu que denuncia o quanto de fumaça respiro. e vejo pessoas muitas na rua, tão cedo, e várias lojas abertas. às 7 de qualquer dia da semana já se escuta o barulho de gente construindo coisas pra uma cidade que já não tem mais espaço.

sou um bicho típico dessa cidade: não faço questão da simpatia de quem me atende, isso eu procuro nos meus amigos; do rapaz da padaria eu quero rapidez e eficiência, e quase sempre recebo. não dou bola pros que passam na rua, não me importo com meu vizinho, ando sozinha no carro a maior parte das vezes, não puxo papo com pessoas no ônibus ou metrô. sou correta, rápida, eficiente e sempre que possível me mantenho distante de quem não conheço. não é desconfiança e nem indiferença, é uma questão de educação, de respeitar a esfera privada de cada um. nesta cidade, se você quiser se encontrar com alguém, é preciso combinar, não convém simplesmente “aparecer”.

há quem não entenda, que nos ache indiferentes ou frios. deve haver os que são assim, mas a maioria simplesmente não quer invadir seu espaço, e gosto muito disso. me incomodam os outros lugares do brasil em que essa privacidade não é respeitada, me incomoda não poder sentar sozinha num bar ou café porque alguém sempre acha que pode puxar papo ou sentar com você. a solidão é uma bênção pra quem vive cercado de gente por todos os lados, entendam. privacidade e anonimidade não têm preço.

vou sentir falta das suas lojas, ônibus com trajeto de horas e horas, metrôs limpos e eficientes, lojas escandalosamente caras e lindas, das ruas com lajotas pretas e brancas, das abençoadas padarias maravilhosas que só existem aqui em toda esquina, da avenida paulista, dos modernos com suas roupas e cabelos lindos, dos casais gays que andam (quase) sem medo pelas ruas, dos inúmeros cafés e cinemas, das pessoas lendo nas mesinhas da calçada, dos grafitis lindos que aparecem onde a gente menos espera, na cidade toda, e do meu bairro, que eu tanto amo.

sei que vou esquecer rapidamente os meus ódios – porque é assim que eu sou, daqui a pouco já não lembro mais o que odiava – do trânsito e seus motoristas psicopatas, dos motoqueiros suicidas, das vagabundas que colocam seus filhos pra pedir dinheiro no semáforo, dos ladrões de cada esquina, da poluição que irrita os olhos no final do dia, dos paulistanos playboyzinhos babacas e seus sotaques ridículos, das paulistanas peruas com seus cabelos alisados e loiros e suas jóias grandes demais, dos novos ricos cafonas que invadem os bons lugares da cidade, da feiúra dos bairros mais pobres, do barulho insuportável e quase constante, das filas.

cidade querida e odiada, vou sentir sua falta.

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são paulo! comoção de minha vida…

os meus amores são flores feitas de original…

arlequinal!… traje de losangos… cinza e ouro…

luz e bruma… forno e inverno morno…

elegâncias sutis sem escândalos, sem ciúmes…

perfumes de paris… arys!

bofetadas líricas no trianon… algodoal!…

são paulo! comoção de minha vida…

galicismo a berrar nos desertos da américa!

(mario de andrade)

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  1. Zel, tinha que comentar a coincidência-ao-contrário… Hoje, 11/02, é meu último dia em Vitória, ES, lugar super tranquilo, onde moro desde que nasci. Vou pra SP logo mais, pra morar… Não sei quanto tempo vou demorar pra me acostumar, quero só ver. Já tenho alguns amigos aí e meu marido está aí tem um tempinho, isso ajuda muito. Mas espero que comece a gostar daí como você gostou (ao menos da parte boa né :)… Estou com um p. frio na barriga.

    Boa sorte na sua mudança!! :-)))

    PS: aquela veterinária que trata dos seus ferrets, lembro de uns muitos posts atrás, acho que em Campo Belo… Como é o nome dela? Sabe se ela cuida de aves?

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