o buraco é mais em cima (*)

hoje cedo li esse ótimo artigo e deu vontade de escrever sobre tanta coisa que nem sei o que vai sair desse post, me perdoem antecipadamente se ficar longo demais ou disperso.

antes de mais nada, por favor leiam o artigo. sei que é longo, mas vale a pena, pois traz informações interessantes e também algumas provocações que fazem pensar. não importa se você concorda com tudo ou não, a mera reflexão sobre os assuntos é suficiente.

pra começar fui procurar o que significa examente sexismo. descobri que muito embora eu não me considere preconceituosa quando se trata de gênero, há uma parte de mim que é sexista. sou atéia e evolucionista, fã do gene egoísta (baixe o livro aqui) e tenho convicção que as inclinações baseadas em gênero são realidade, e explico:

creio que o gênero determina sim alguns comportamentos ou tendências, por exemplo: violência no sexo masculino e melhor capacidade de comunicação verbal do sexo feminino (entre muitas outras características). como evolucionista, acredito que estamos geneticamente programados para certos comportamentos que se mostraram bem-sucedidos no decorrer da nossa evolução, e tais comportamentos diferem de acordo com o gênero, por vários motivos. não vou me estender no assunto, que é complexo, mas se quiser entender melhor essa visão sugiro ler o livro que indiquei acima. o que gostaria de deixar claro é que apesar de acreditar nas inclinações, não acho que: (1) são absolutas e genéricas (se aplicam a 100% dos casos, baseado em gênero) e principalmente (2) significam que não podemos agir CONTRA elas. explico mais um pouco:

suponha que aceitemos como fato que as mulheres são melhores em comunicação verbal e piores em posicionamento espacial. isso não significa que todas as mulheres falam bem e péssimas motoristas, necessariamente. dentro da maioria há também gradações, e há as exceções. além disso, mesmo nos casos de inclinação típica (dificuldade com posicionamento espacial, por exemplo), há a possibilidade do desenvolvimento para superação. mesmo uma mulher “típica” pode sim se tornar muito boa em posicionamento espacial, com treinamento e dedicação.

resumindo: acredito sim na programação genética e nas inclinações de gênero, mas não acho que isso seja determinante ou final no comportamento ou nas habilidades de alguém. é justamente a capacidade do ser humano de superar a si mesmo e se adaptar que o faz tão bem-sucedido como espécie.

mas enfim, admito que posso ser considerada sexista por alguns e esclarecido esse ponto, sigo adiante pra explorar alguns pontos do artigo.

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curioso como este assunto de certa forma se relaciona com meu post anterior. o que me incomodou na história foi a crucificação da amiga traidora e não do marido traidor (e esse roteiro se repete em quase todas as histórias que eu já vi a respeito). mulheres são invejosas, mentirosas e, no fundo, todas vagabundas. a que foi traída é uma bruxa, a que traiu é puta. os homens só estão fazendo o papel deles: se comportando como machos, ué. minha mulher é uma chata e a vizinha quer dar pra mim? eu tenho mais é que comer.

(de curiosidade e como ilustração, confiram essa música do zeca baleiro. eu não quero que essa gente diga / esse camarada se androginou / a moça deu bola e ele nem ligou)

o artigo cita o caso eliza e o estupro de uma garota por 3 rapazes em SC, e ambos os casos têm um problema comum: o julgamento das vítimas (em negrito bem forte) na sua condição de mulher como forma de amenizar ou explicar o crime. as pessoas (homens e, vergonhosamente, mulheres também) citam imbecilidades como o fato da primeira ser atriz pornô ou coisa que o valha como justificativa pro crime, sim. no caso da segunda, vocês vão achar comentários do tipo “mas o que uma menina de 15 anos fazia fora de casa às 3h da manhã na casa dos meninos?”

a profissão ou comportamento sexual da primeira dá aval pra matá-la, é isso? e a segunda estar acompanhada de 3 rapazes às 3h da manhã os autoriza a estuprá-la? eu sei que as perguntas parecem óbvias, mas acredite: não são. os comentários da audiência demonstram claramente que achamos sim que se essas mulheres tivessem se comportado como as mulheres devem se comportar, nada disso teria acontecido. sim, achamos que a culpa é delas.

usando minha lógica, então: existe uma inclinação masculina para a violência e agressividade sexual (no limite, o estupro)? eu acho que existe, sim. mulheres com comportamento sexual mais agressivo ou liberal criam mais oportunidade para serem “atacadas”? eu acho que sim. isso significa que elas devem ou merecem ser atacadas, que estão “pedindo”? porra, NÃO, NÃO e NÃO. não somos bichos, sabemos o que é certo ou errado dentro do contexto social e temos que respeitar as regras, por mais que nosso desejo ou instinto nos digam o contrário. caramba, isso é BÁSICO. é por isso que este tipo de violação de acordo social é considerado CRIME. é inaceitável até sugerir que o comportamento dessas mulheres de alguma forma ameniza os atos cometidos. é perverso, nojento.

mas o mais perverso e nojento é que somos ensinados (e continuamos repetindo esses ensinamentos) inclusive pelas nossas mães que é assim que funciona. aos homens cabe meter seu pau em todo buraco que se apresente e às mulheres cabe fechar seu buraco e de preferência não deixar os paus da vida perceberem que o buraco existe. temos que nos fingir de mortas, sob o perigo de passar a “mensagem errada” e enfim “ter o que merecemos”. os meninos devem ser sexualmente agressivos e nunca perder uma oportunidade (não importa se está a fim, se o buraco apetece…); as meninas devem se preservar e tomar todo cuidado, porque afinal não têm o direito de dizer NÃO.

é impressionante e triste o quanto somos atrasados e primitivos na educação sexual. alguém já viu pais discutindo com seus filhos homens como se relacionar com mulheres? como dar prazer a elas? como respeitar as diferenças entre os sexos? as conversas dos pais com suas filhas é mais triste ainda. por mais que tenhamos “evoluído” e hoje os pais pelo menos falem com seus filhos a respeito de sexo, repetimos preconceitos. os pais falam aos filhos sobre proteção (doenças e gravidez) e talvez sobre reputação (com diretrizes invertidas para os 2 sexos). não conheço quem fale sobre relacionamento, respeito e principalmente prazer.

pra muita gente (sério, é assustador como isso é amplo) sexo é forma de dominação e/ou libertação. o prazer físico, o desfrute das sensações e do outro é absolutamente secundário. estupro não é prazer, é demonstração de poder. traição também pode ser o uso do sexo como vingança, compensação. o que fizeram com a eliza foi mais que simplesmente dar sumiço – há um componente fortemente sexual na história, que obviamente nada tem a ver com prazer.

usar gênero ou sexo como desculpa ou arma é triste. demonstra que somos e estamos atrasados. neste aspectos estamos próximos dos nossos parentes chimpanzés. e cada vez que validamos comentários desse tipo, seja na internet ou no dia a dia, regredimos. perdemos a opotunidade de ser melhores, mais evoluídos e quebrar o ciclo vicioso criado pelas gerações anteriores.

acho que podemos mudar esse quadro, ainda hoje, mesmo que aos poucos. como? ficando atentos. não permitindo comentários preconceituosos em relação a gênero de nenhuma espécie. nem ao vivo, nem na internet. nos posicionando quando isso acontece, quando pessoas ao nosso redor soltam frases maldosas e aparentemente inocentes. experimente não permitir que seu namorado faça comentários engraçadinhos sobre sua condição de mulher, por exemplo, tampouco aceite comentários de amigos ou amigos de amigos. quando seu pai ou mãe falarem alguma bobagem preconceitosa, responda. com educação, assertivamente, responda.

quando você se pegar sendo sexista, reflita. repense, modifique seu modelo mental. e não deixe que as pessoas ao redor de você o contaminem. faça mais: reaja. e reaja como ato de amor, como quem educa um filho. a mudança desse quadro triste começa em cada indivíduo.

já tenho feito isso há anos, mas depois de ler o artigo, me propus a recomeçar de novo, hoje, escrevendo esse texto. espero que alguns de vocês também se disponham a mudar.

(*) pagu, da rita lee.

One comment to “o buraco é mais em cima (*)”
One comment to “o buraco é mais em cima (*)”
  1. Zel querida, resumindo muitissimo tudo isso, o que eu penso é que:

    1- somos seres humanos antes de qquer coisa. Portando, respeito é item básico no convivio com outras pessoas.

    2- mulheres podem ser bonitas, inteligentes, divertidas, bem arrumadas e donas do seu próprio prazer, ou seja, dizer NAO sempre que acharem conveniente. Menos do que isso é voltar à Idade Média.

    3- Por fim, eu acho que a Eliza e a adolescente de 13 anos foram vítimas de sua própria educação e criação, ao não se posicionar de forma clara e segura frente aos meninos (pra mim, nao sao homens de fato) que as atacaram. E todas são, todas somos.

    Que fatos como esses e discussões como essa que vc e a Conceição estão propondo em seus blogs sirva pra abrir a cabeça e os olhos das mulheres pra essas questões seríssimas; e para os pais assumirem a responsabilidade sobre a criação e educação de seus filhos e filhas.

    Boa sorte com o Otto. Sei que ele terá uma educação e um exemplo excelentes, mas a gente infelizmente não controla o que se passa “lá fora”…

    um beijo enorme

    Babi

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