amigo secreto blogueiro — um post como presente

carol mafra, você é minha amiga blogueira! e espero desde já que me perdoe o atraso, mas você sabe como é a vida de mulher, mãe, profissional, dona de casa e simplesmente pessoa vivente num mês qualquer de dezembro, especialmente no fim do mundo, certo? 🙂

e é sobre o fim do mundo esse meu post-presente pra você. porque eu queria dar um presente que fosse um pouco do que existe de melhor em mim, e já não é de hoje que percebi que boa parte do meu melhor tem a ver com contar histórias, mostrar um pouco do mundo sob meu ponto de vista. não que meu viés seja melhor, mais cheiroso ou bonito, mas é que ele é meu, único, e cada vez mais acho que enxergar o mundo através dos olhos dos outros é um dos grandes prazeres (e desafios da vida). então, pra você, um pouco de mim.

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conheci drummond com 15 anos. imagino que já tinha lido/ouvido algo dele antes disso, mas foi com essa idade que realmente prestei atenção e apaixonei, como se apaixonam os adolescentes. confesso que hoje, aos 40, esse encantamento arrefeceu, já não vejo mais as mesmas qualidades nele, meu referencial mudou. mas sua elegância e precisão ainda me encantam, mesmo quando ele fala sobre… o fim do mundo.

digo que é o fim porque para a minha geração, nascida nos 70, a bomba atômica significava o fim do mundo. um filme-catástrofe da década de 80 se encarregou de nos apavorar com a perspectiva do fim através da radiação, e permeia até hoje meus pesadelos de apocalipse. é engraçado que hoje em dia a ameaça de vírus ou outras formas de fim-de-mundo são mais fortes e cool, mas o cogumelo gigante paira como ameaça (real, infelizmente, avaliando o cenário político-bélico) e me dá friozinhos na espinha.

mas voltando ao poeta e ao poema — ele brinca lindamente com a repetição, faz pequenas piadas com a famigerada BOMBA, assim mesmo com negrito e letras maiúsculas, de um jeito que ela fica quase engraçadinha. e como sempre (diferente de manuel bandeira, tão melancólico) termina dizendo que tudo acabará bem. bom, isso é uma interpretação bastante livre minha, bem consistente com minha própria forma de ver a vida 🙂

da forma como interpreto o poema (e a vida, a propósito), o fim do mundo acontece todo dia, aos pouquinhos e de forma quase imperceptível. é a perna que coça, a má vontade, as pequenas maldades do dia a dia, o descaso, o esquecimento de tudo que de mais bonito existe no ser humano. o mundo acaba um pouco quando ignoramos mendigos na rua, deixamos de fazer uma gentileza, calamos uma palavra de amor ou consolo, sonegamos o sorriso. a bomba é somente um grande avatar das nossas falhas, milhares de átomos radioativos concentrados, cheios de potencial destrutivo dormindo, esperando.

mas como drummond, tenho esperança. porque para cada pequeno fim do mundo há um recomeço, uma mão estendida, uma gargalhada. e a natureza, pura e simplesmente o mundo que nos cerca, o sol que nasce e se põe todos os dias, ensinando que há ciclos, ensinando a recomeçar, tentar de novo, mais uma vez, até-que.

há 25 anos esse poema virou jogral, uma brincadeira entre adolescentes, escravos de jó de uma bomba metafórica, amarelinha de fim-do-mundo. zombamos da bomba e reafirmamos nossa fé na humanidade através de um poema e de vários sorrisos (nossos e da platéia).

feliz 2013, carol! que você possa brincar de malabares com seus apocalipses pessoais, com seus fins-de-mundo, e que jamais esqueça que sempre há tempo. a bomba também dorme (pelo menos até os morcegos esvoaçarem!)

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a bomba
é uma flor de pânico apavorando os floricultores
a bomba
é o produto quintessente de um laboratório falido
a bomba
é estúpida é ferotriste é cheia de rocamboles
a bomba
é grotesca de tão metuenda e coça a perna
a bomba
dorme no domingo até que os morcegos esvoacem
a bomba
não tem preço não tem lugar não tem domicílio
a bomba
amanhã promete ser melhorzinha mas esquece
a bomba
não está no fundo do cofre, está principalmente onde não está
a bomba
mente e sorri sem dente
a bomba
vai a todas as conferências e senta-se de todos os lados
a bomba
é redonda que nem mesa redonda, e quadrada
a bomba
tem horas que sente falta de outra para cruzar
a bomba
multiplica-se em ações ao portador e portadores sem ação
a bomba
chora nas noites de chuva, enrodilha-se nas chaminés
a bomba
faz week-end na semana santa
a bomba
tem 50 megatons de algidez por 85 de ignomínia
a bomba
industrializou as térmites convertendo-as em balísticos interplanetários
a bomba
sofre de hérnia estranguladora, de amnésia, de mononucleose, de verborréia
a bomba
não é séria, é conspicuamente tediosa
a bomba
envenena as crianças antes que comecem a nascer
a bomba
continua a envenená-las no curso da vida
a bomba
respeita os poderes espirituais, os temporais e os tais
a bomba
pula de um lado para outro gritando: eu sou a bomba
a bomba
é um cisco no olho da vida, e não sai
a bomba
é uma inflamação no ventre da primavera
a bomba
tem a seu serviço música estereofônica e mil valetes de ouro, cobalto e ferro além da comparsaria
a bomba
tem supermercado circo biblioteca esquadrilha de mísseis, etc.
a bomba
não admite que ninguém acorde sem motivo grave
a bomba
quer é manter acordados nervosos e sãos, atletas e paralíticos
a bomba
mata só de pensarem que vem aí para matar
a bomba
dobra todas as línguas à sua turva sintaxe
a bomba
saboreia a morte com marshmallow
a bomba
arrota impostura e prosopéia política
a bomba
cria leopardos no quintal, eventualmente no living
a bomba
é podre
a bomba
gostaria de ter remorso para justificar-se mas isso lhe é vedado
a bomba
pediu ao diabo que a batizasse e a deus que lhe validasse o batismo
a bomba
declare-se balança de justiça arca de amor arcanjo de fraternidade
a bomba
tem um clube fechadíssimo
a bomba
pondera com olho neocrítico o prêmio nobel
a bomba
é russamenricanenglish mas agradam-lhe eflúvios de paris
a bomba
oferece de bandeja de urânio puro, a título de bonificação, átomos
de paz
a bomba
não terá trabalho com as artes visuais, concretas ou tachistas
a bomba
desenha sinais de trânsito ultreletrônicos para proteger velhos e criancinhas
a bomba
não admite que ninguém se dê ao luxo de morrer de câncer
a bomba
é câncer
a bomba
vai à lua, assovia e volta
a bomba
reduz neutros e neutrinos, e abana-se com o leque da reação em cadeia
a bomba
está abusando da glória de ser bomba
a bomba
não sabe quando, onde e porque vai explodir, mas preliba o instante inefável
a bomba
fede
a bomba
é vigiada por sentinelas pávidas em torreões de cartolina
a bomba
com ser uma besta confusa dá tempo ao homem para que se salve
a bomba
não destruirá a vida
o homem
(tenho esperança) liquidará a bomba.

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PS: de quebra, esse é um post também para o memê de dezembro 🙂

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