(sem título)

espelho

gosto de falar (e só quem me conhece ao vivo sabe o quanto). a minha veia de contadora de histórias não é exclusiva do blog, ou do texto escrito: eu gosto de falar, de prender a atenção. sou definitivamente sereia, uso o verbo como forma de trazer pessoas até mim, seja falando, seja escrevendo.

houve uma época, há bem pouco tempo, em que eu falava constantemente de amor. do amor profundo que vivi, de tudo que sonhei e vi com meus olhos coloridos. todo mundo que lê isso aqui sabe do que eu estou falando, não? fiquei pensando: acho que sou “a mulher perfeita” nesse aspecto. eu elogio, faço mimos, surpresas, “encho a bola”, alimento a vaidade de quem está comigo. quem não gosta disso? principalmente quando é sincero e ardoroso, como eu sou. não sei fazer elogios falsos. eu elogio de todo coração, eu de fato vejo com olhos do amor e quero expressar isso, seja com carinho, seja com palavras. sou do tipo “babona”, coruja, como quiserem chamar. por quanto tempo me viram aqui desfiando elogios e declarações de amor? da mesma forma, sou capaz de dizer coisas duras, de ferir com palavras. mas não aqui.

mas se fui capaz e quis dizer tudo que houve de bom, por que haveria de omitir o que é ruim? por muitos meses eu omiti. às vezes parei de escrever para não dizer coisas ruins. me parecia um atestado de infelicidade, de incompetência minha. temia piorar a situação complicada ao verbalizar minha dor, meus incômodos. temia machucar aquele que amava com minhas palavras de dor e incômodo. me omiti por respeito e não por falta de vontade de colocar pra fora o que me doía. engoli dores porque não queria causar mais dor. excesso de zelo, talvez?

pela primeira vez, essa semana, eu fui capaz de expressar minha sensação de desilusão. talvez ela venha carregada de tudo aquilo que eu deixei de dizer, de toda a dor que acumulei. eu passei muita coisa ruim. fui desrespeitada, às vezes mesmo humilhada. sim, me deixei chegar a esse ponto — e disso eu tenho consciência: foi minha culpa. fui deixada só com minhas lágrimas muitas vezes. não recebi um afago, um colo, não recebi sequer compaixão da pessoa que estava ali, ao lado. várias noites dormi chorando enquanto havia alguém no quarto ao lado dormindo tranquilamente. sofri por ciúmes em silêncio por muito tempo. depois sofri falando, mas falava sozinha, pois jamais fui respeitada a ponto do outro modificar seus comportamentos que me machucavam. me senti abandonada, senti a maior solidão da minha vida enquanto estava acompanhada. vi morrer meu sonho de companheirismo num convívio duro e sem carinho. fui rejeitada oferecendo carinho, ouvi não aos pedidos mais simples de aconchego.

eu via outras mulheres sendo tratadas com carinho, até tesão, e eu sendo desprezada. e sempre (sempre!) por minha culpa, por algo que eu tinha ou não tinha feito. vi minha natureza ser criticada constantemente, tudo que em mim era mais espontâneo foi execrado. fui colocada de lado, esquecida, muitas e muitas vezes. minhas dores e incômodos foram minimizados, e enquanto eu sofria, ele se divertia, “cuidando da própria vida”. afinal, temos que ser felizes sozinhos, independente do outro, não é? isso é o mais importante. e assim eu vivi, meses tentando ser feliz sozinha quando a proposta era estar acompanhada.

perceber que havia alguma coisa errada nessa história foi como acordar de um sonho ruim. eu acordei, completamente destruída. não sobrou nada, não sobrou pedra sobre pedra. tive que começar tudo do zero, tijolo por tijolo. é difícil não se influenciar pelo que está na memória, muitas vezes eu tive dúvida, quis voltar atrás, queria voltar a sonhar, a dormir, esquecer a realidade. mas eu consegui passar pela parte mais difícil que é voltar à vida, graças a amigos queridos, ao amor deles. eles todos aliás tentaram me acordar insistentemente, mas eu resisti. eu acordei quando quis, e paguei o preço pela demora. descobri que melhor que sonhar é viver, que estar sozinha é melhor que estar supostamente acompanhada, sim! eu sobrevivi, e consigo agora ver o que aconteceu.

foi bom? foi, sim. e a parte boa todo mundo conhece, eu falei muito dela, falei insistentemente aqui, falei com minha boca, falei com minha alegria de viver e de estar apaixonada. mas foi muito ruim também, e dessa parte só sabem pouquíssimos que me ouviram chorar no telefone; desconfiam os que me viam chegar no trabalho todos os dias com cara de choro, triste e sem vontade de fazer nada. eu nunca falei aqui sobre o que me doeu. por isso, hoje, me permito dizer (ainda que de forma BEM superficial) do outro lado do sonho.

é, eu sofri, minha gente. para os que se incomodavam com meus eternos relatos de vida cor-de-rosa, achavam que eu mentia nas histórias de felicidade, saibam que eu não menti: eu omiti. fiquem felizes, talvez, em saber que também eu passei por dores. para os que me amam e se importam, conheçam mais um pouco de mim, me abracem um dia e digam “que bom que você superou”. sei que vocês vão sentir um misto de dor por saber de tudo isso depois de eu ter sofrido só, mas sentirão também um pouco de orgulho por eu estar aqui hoje, feliz.

eu estou feliz, de uma forma tranquila. e pela primeira vez, consigo falar de dores sem chorar. falo com a generosidade do contador de histórias, como quem fala de outra pessoa. faço um contraponto de oferecimento: ofereci maçãs em outros tempos; no dia de hoje, ofereço pimentas.

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