(sem título)

cartas

escrevo cartas de amor, muitas. não posso ver papel e caneta que desando a escrever páginas e páginas, e só deus sabe onde vou parar. as cartas podem conter músicas, trechos lembrados ou palavras minhas, inventadas na hora, jorrando como de uma torneira aberta. escrevo como falo: sem medida, sem saber onde ir. as frases se formam sozinhas, as idéias brigam e brincam e tomam conta de mim, os sentimentos aparecem quando menos espero. quando vejo, lá vai a admiração se mostrando num adjetivo e toda minha doçura expressa dos substantivos fugidos da minha memória. gosto das palavras, não concebo amor mudo. meu amor é poeta, orador, ele diz e canta. releio minhas linhas e inevitavelmente me surpreendo com o que sou eu e sequer sabia. descubro-me mais apaixonada do que pensava, muitas vezes; descubro-me fazendo as pazes por uma briga de semanas atrás; descubro que me despeço nas entrelinhas. minha letra confusa quer ser carícia para os olhos, mas eu sempre imagino as cartas lidas em voz alta, a voz soando junto com as letras do papel, como nos filmes. imagino meu amado lendo e sorrindo em alguns trechos, as mãos trêmulas de amor segurando o pedaço de papel que tem um pouco mim. gosto de pensar que ele somente murmura as palavras que eu escrevo, os lábios se movendo, e elas se tornam concretas. antecipo o momento do milagre da transformação da carta em lembrança, aquele instante mágico de fechar os olhos e colocar a carta mais perto do corpo, como que trazendo para si tudo o que ali só se vislumbra e adivinha. já tive ganas de comer certas cartas. comê-las para que fizessem parte de mim como matéria, o medo de que a lembrança somente não fosse suficiente. escrevo cartas de amor porque é preciso tirar de mim o que floresce, colocar em papel e palavras, oferecer como se oferece a flor ficando pronta, nascendo para ser presente. não posso conviver só com tudo o que nasce em mim. se não ofereço, morro sufocada por mim mesma, o cheiro das flores deixando o ar pesado; os brotos novos precisam de ar! cartas de amor são meus mal-me-queres, jasmins-estrela, margaridas. atualmente, estou em plena primavera.

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