sobre a percepção

resolvi finalmente escrever esse post depois de ler no LV da fal (o local mais movimentado do planeta!) vários comentários sobre beleza, plástica e botox. mas a verdade é que tudo começou quando, há algumas semanas, deixaram o comentário (que vou reproduzir logo adiante) neste post de quase um ano atrás (por favor, vejam, pois é lá que está a foto em questão).

eu levei um susto!!!!!!

que bunda feia!!!!!!!!!

ta cheia de celulite!!!!!!!!!!

mué mais feia,credo,e ainda tem coragem de tirar foto pelada!!!!!!!

(o comentário é anônimo, claro, como sempre)

não sei se é necessário realmente comentar a opinião do anônimo em questão, afinal ele acaba nos levando a desconsidar seu ponto de vista por escrever como um retardado. mas vou fazer um esforço e tentar resgatar a idéia por trás do semi-anafalbetismo e agitação hormonal (pra quê tantas exclamações?):

levei um susto: que bunda feia! está cheia de celulite. a modelo é feia, não sei como ainda assim tem coragem de tirar foto pelada

ok, vamos partir dessa idéia de cima. indo aos fatos: a bunda da modelo tem celulite, é verdade. o comentarista a considera feia e pessoas feias não devem tirar fotos peladas (pode ser que não devam tirar fotos de jeito nenhum, mas aí é inferir demais). a questão da beleza/feiúra já complica, porque eu acho essa moça linda e fico contente em ver a foto dela pelada.

vamos falar da história da celulite, então, que parece incomodar nosso leitor. podemos substituir celulite por estria, sardas, pintas, cicatrizes, pneuzinhos e várias outras coisas, o problema é: de onde vem a noção de beleza? quem ou o quê determina o que é esteticamente adequado?

fiquei pensando historicamente: quem sempre ditou os padrões estéticos (quanto à beleza física) foi a realeza ou os poderosos de forma geral. houve épocas em que ser gordo era lindo, sinal de fartura e riqueza. houve o tempo dos peitos pequenos, da cintura finíssima, dos quadris largos e assim por diante. aparentemente, para ser bonito é preciso ser um pouco fora da realidade ou incomum. faz todo o sentido, é parte da maldição de ser humano desejar sempre o que não se tem: bonito e bom é aquilo que eu não sou e não tenho.

não importa que as/os modelos das capas de revista e artistas sejam absolutamente fabricados por plásticas, químicas, photoshops, maquiagem ou uma quantidade impraticável de exercícios: nós achamos que isso é que é bonito e sofremos todo o santo dia porque não somos e não seremos assim. e não seremos por vários motivos: porque não temos dinheiro, porque não temos tempo pra 4 horas diárias de academia ou porque temos vergonha de nos sentimos ogros querendo virar príncipes. e essa última parte é a mais importante: não só acreditamos que a farsa é a realidade e um ideal como também nos convencemos que nós jamais atingiremos tal perfeição.

eu conheço mulheres lindas dentro do padrão de beleza estabelecido e que simplesmente não conseguem ver que já estão atendendo ao tal padrão. elas procuram desesperadamente seus defeitos, comparando-se com as bonecas da revista, e sofrem diariamente. não comem, se matam de fazer exercícios, fazem lipo, usam 1000 cremes, apelam pra todos os santos e quando se olham no espelho, vêem só a imperfeição.

faz parte da nossa natureza ceder e se integrar às regras do grupo em que vivemos, é verdade. não é fácil resistir às constantes cobranças dos seus pares (e da TV, cinema e das malditas revistas) e procurar em nós a beleza e não a imperfeição. mais difícil ainda é olhar a imperfeição e considerá-la parte do que faz de nós únicos e não uma produção de barbie em série. todas iguais e, exatamente por isso, perfeitas. a perfeição é o oposto da singularidade. a perfeição é tudo o que é reconhecido e bem aceito, é o comum.

mas então, diabos, por que queremos ser perfeitos, se a singularidade é o que existe de mais atraente? queremos eliminar traços e características que nos diferenciem dos demais, sumir com as evidências do tempo, esconder cicatrizes, nos disfarçarmos de alguma coisa que não somos. me veio à cabeça uma imagem ultra-clichê de um mundo cheio de mulheres e homens de terno e máscaras de teatro. mas você pode pensar também num mundo cheio de mulheres com peitos estufados de silicone e barrigas esticadas de plástica e lipo; ou em homens com implantes de cabelo, braços musculosos e dentes assustadoramente brancos.

(pausa: vocês não têm medo de gente com aqueles dentes brancos demais? eu sempre lembro de filmes de vampiro. tenho medo.)

não vou mentir e dizer que não sofro a influência do modelo de perfeição. cabelos 10 vezes mais lisos, acabe com a celulite, barriga de tanquinho, recupere a pele dos seus 20 anos? eu queria isso tudo, além de ser mais magra, claro, que uma mulher jamais é magra o suficiente nesses nossos dias.

mas confesso também que boa parte de mim luta diariamente pra não ceder à tentação — porque essa mania de perfeição é sim coisa do diabo — e ser quem eu sou. procuro me olhar no espelho, procurando tudo aquilo que acho bonito ou interessante em mim (e é difícil), valorizar o que tenho de especial e ficar feliz por não ser e não me esforçar para ser uma barbie. (até porque, aqui entre nós, só se eu nascesse de novo. como eu não acredito em reencarnação, procuro a beleza que tenho hoje e certamente terei (modificada) amanhã).

e a moça da foto tem celulite, sim, e é linda, sr anônimo. tenho pena dos seus olhos embotados.

0 comments to “sobre a percepção”
0 comments to “sobre a percepção”
  1. fiquei na dúvida se eu comentava aqui ou aí embaixo, mas como eu moro aqui em LA e não tenho distanciamento nem bom senso, resolvi comentar aqui.

    olha, essa conversa é assunto pra três dias sob o sol tomando caipirinha na beira da praia. Essa mania que as pessoas tem de enfiar todo mundo no mesmo molde dá nisso, acaba quebrando um ou outro. Eu que trabalho com mídia sei bem que foto de revista, propaganda na tv, novela, cinema tudo isso em maior ou menor grau é mentira, aquelas pessoas são mentira, rola muito fotoshop, airbrush, muita maquiagem, fita crepe e ângulos estratégicos. Não me impede de querer estar mais magra, mas pelo menos eu sei que as modelos da Playboy são cor-de-laranja na vida real e isso não é bonito. Eu sei que certo ator famoso só se deixa filma/fotografar de um mesmo lado do rosto e isso é esquisito demais. Uma modelo belíssima vomita na frente da equipe inteira de filmagem e neguinho ainda segura o cabelo pra ela (passou mal com um tamale delicioso que não fez mal a mais ninguém, achei suspeito). Não tem beleza nenhuma em ser igual a todo mundo e muitas dessas pessoas que a gente acha deuses são mais fotogênicos que bonitos, e existe sim uma diferença.

    e olhando pra esse povo na novela fico pensando: a filha da empregada num era uma pessoa completamente diferente? E a Natalia do Valle dorme no formol? A dona Glória tem a cara horrendamente torta. A Sônia Braga (oh, céus) fez um negócio tão esquisito que ela soa como se estivesse segurando a dentadura na boca, sem falar que o rosto não se mexe.Ah, podia falar horas, mas tá bom. Concordo Zel. Concordo inclusive que a moça da foto é linda de morrer, com celulite e tudo

  2. Zelindia,

    Quando era guria, uns 15 anos se muito, encontramos uma mulher linda de morrer no aeroporto e comentei com meu irmao, mais velho que eu: “Como essa moça é linda, meu Deus!” e ele na sua tranquilidade habitual me respondeu: “Não gosto muito, dá medo de tocar, parece que ela vai se desmanchar…”. Nunca esqueci isso. Bom, eu prefiro ser tocada, ehehe

    Não entendo quem faz comentarios depreciativos, por fazer. Mas, também não entenderei nunca, como você mesma diz, como definir beleza. É o que você acha, o que eu acho? Ou o que a gente acha de si mesma?

    beijo, lindona!

  3. Muito bem colocado, Zel. Como homem, fico preocupado ao ler um comentário como o desse moleque, que reflete a “percepção” dos adolescentes de hoje, pois sei que serão péssimos amantes no futuro. Eles também são vítimas desse processo esquizofrênico que a mídia alimenta sistematicamente.

  4. A menina da foto, Zel e Rosinha, é linda de morrer E NÃO TEM CELULITE. Vocês estão cegas. Ela tem o nivel normal-baixo de celulite de toda mulher, ela tem uma bunda linda, redonda e dura. E o anônimo não acha mulher bonito se ele fica histerico com uns furinhos na bunda que até mulher super-atleta tem furinho na bunda. Vem no pacote.

  5. Graças a nossa educação modesta e a época também, que não nos permitiu ter Barbies, temos olhos mais apurados e benvindos para as Susies da vida: coxão, cintura não tão fina, peitos menores, cabelo que embaraça (e como!), cara comum e namorava com o Falcon…hehehe

    Aquela coisa mais “dia a dia”, menos fantasiosa.

    Bj

  6. Toda mulher tem seu charme, verde – madura – magra – cheinha. Tudo depende do ponto de vista. Do meu, adoro as mulheres e não sei viver sem elas. A melhor idéia do Supremo! E só nos custou uma custela! O amigo deve mesmo ser chegado em bunda de macho.

Deixe um comentário