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FEEDBACK – Parte 1

[Este post é parte de uma série numerada. Para ver todos, clique aqui e siga a ordem. Leia o texto completo em PDF aqui]

 

Me vejo no que vejo

Como entrar por meus olhos

Em um olho mais límpido

Me olha o que eu olho

É minha criação

Isto que vejo

Perceber é conceber

Águas de pensamento

Sou a criatura do que vejo.

(Octavio Paz)

 

PRIMEIRO, UMA HISTÓRIA

Há muitos anos a maior parte do meu trabalho trata de lidar com pessoas, em um ambiente corporativo e muito focado em resultados – alguns mais concretos e fáceis de mensurar, como fechar uma venda ou entregar um projeto, outros mais sutis como realizar um evento e ouvir a reação das pessoas. Entregar resultados mensuráveis é desafiador, mas lidar com pessoas é muito mais; nada no meu trabalho em nenhum momento da vida (mesmo sendo da área de tecnologia!) foi ou é mais difícil que lidar com as pessoas, suas frustrações, seus preconceitos, suas limitações de comunicação.

Obviamente me incluo no grupo das “pessoas” – não passa um dia sem que eu perceba que preciso melhorar alguma coisa, sem que pense que podia ter feito melhor, que podia não ter perdido a paciência (acontece com mais frequência do que eu gosto de admitir), podia ter falado mais claramente.

No ano de 2001 eu trabalhava na IBM, fazia parte do time da primeira Fábrica de Software que criaram no Brasil. Era uma equipe incrível, profissionais muito qualificados, e algumas pessoas realmente especiais. O relacionamento era bom na maior parte do tempo, mas havia alguns problemas – muitos egos juntos, muita gente muito boa, sempre dá atrito. Mas as coisas aconteciam como quase sempre acontece em qualquer grupo (de trabalho ou não) – os conflitos apareciam de forma emocional e não estruturada quando chegavam no limite, e enquanto não chegavam no limite vinham no formato de fofoca, reclamação no cafezinho, micro agressividades.

Não sei o quanto foi intencional, mas foi oferecido um treinamento de feedback, o primeiro do qual participei e foi quando aprendi esse conceito. De início achei meio ridículo o motivo do treinamento; feedback não é basicamente falar pras pessoas o que você quer / precisa? Por que preciso de um treinamento pra me ensinar a falar com outras pessoas, eu sou ÓTIMA em comunicação 😀 Todo mundo em tese sabe dialogar, certo?

Errado.

O treinamento (que era muito simples) mudou minha vida. Basicamente ele me ensinou que:

  • Quase todo mundo odeia confronto e conflito, e os evitamos ao máximo. Esperamos que os problemas se resolvam sozinhos, sem que precisemos confrontar e expor o conflito. Só que muitas vezes os problemas não se resolvem, e nosso incômodo (ou medo, preocupação, raiva) se expressam de outras formas, mais ou menos diretas. Podemos inclusive eventualmente surtar mesmo, e vomitar todo nosso incômodo nas horas mais inapropriadas, ou reagir violentamente a alguém ou alguma situação sem nenhuma relação aparente;
  • As outras pessoas não podem ler nossa mente e nossos corações. Elas jamais saberão que estão nos incomodando, ferindo, ameaçando ou magoando se não falarmos sobre isso pra elas;
  • As outras pessoas nem sempre (quase nunca, inclusive) nos magoam (ou chateiam, incomodam e ferem) de propósito;
  • Todo mundo pode melhorar, e mudar. Há que ter mais fé e confiança nas pessoas;
  • Eu sou responsável por me conhecer, estabelecer meus limites e esclarecer meus quereres;
  • Não é possível mudar situações que nos incomodam sem mudar absolutamente nada do nosso comportamento.

Nosso instrutor pediu que pensássemos num caso real, do ambiente de trabalho, em que nos sentíamos incomodados com alguém, e usássemos para exercitar. No meu caso, havia essa mulher, que chamarei de Magda. Altamente inteligente, competente, seu trabalho era sempre impecável. No entanto, seu comportamento era frequentemente desrespeitoso com diversos membros da equipe (ela inclusive se mostrou abertamente racista em algumas ocasiões e na época não houve grandes consequências), por exemplo: ela me interrompia enquanto eu estava ao telefone. Imagina a situação: eu no telefone, numa reunião ou falando com alguém, e se ela precisava falar comigo simplesmente parava na minha frente e falava, ignorando o fato de eu estar já falando com outra pessoa. Uma vez eu tentei mostrar que estava ao telefone (sem falar, pra não interromper a conversa) e ela simplesmente disse “ah, a pessoa espera! É urgente!”. Nunca era urgente, claro.

Ela me irritava e incomodava (‘eu queria socar a cara dela’ seria mais próximo do que eu sentia), assim como a todos os demais colegas, mas ninguém dizia nada diretamente. Era uma combinação de evitar o conflito e de resignação – “ela é assim mesmo, uma chata sem noção!”.

Voltando ao treinamento, a proposta era: assumir que a pessoa não fazia aquilo por mal; lembrar que talvez ela não tivesse consciência de que estava sendo inconveniente; tomar pra mim a responsabilidade de informá-la o que eu quero e não quero que ela faça comigo; dizer exatamente o que me incomodava, diretamente, sem julgá-la, e pedir que fizesse diferente.

Confesso que fiquei cética. Na minha cabeça era absurdo ela não perceber que estava sendo uma imbecil, e me senti meio ridícula de ter que falar algo que era óbvio (pra mim :D). Além de, é claro, estar com medo do que aconteceria, de virar uma discussão, criar um climão, enfim. Mas me comprometi a fazer diferente, e ver o que acontecia. Me preparei, usando o curso como referência.

Acabado o treinamento, de volta ao dia a dia, não demorou pra situação se repetir – estava eu no telefone com alguém, ela chega na minha mesa e começa a falar como se eu não estivesse ocupada. Eu parei a ligação, pedi 1 minuto, baixei o telefone e disse pra ela: — “Magda, olha só: eu estou no telefone com outra pessoa e não posso falar com você agora. Não acho certo deixar a outra pessoa esperando porque você entrou aqui e quer falar, não queria mais que isso acontecesse. Eu vou procurar você quando acabar aqui e falamos, pode ser?”

Ela respondeu, muito de boa: “Ah, desculpa! Tudo bem, falamos depois.”

E acabou. Para sempre. Ela nunca mais fez isso comigo.

Sei que é difícil de acreditar, eu mesma achei que era pegadinha, e fiquei esperando o dia em que ela ia falar alguma coisa, ou voltar a fazer a mesma coisa, mas ela não fez mais. Ou seja, neste caso, era mesmo uma absoluta falta de noção (e respeito pelo outro, claro), mas que não era de propósito. Ela fazia assim porque fazer assim funcionava pra ela, e provavelmente ninguém nunca tinha confrontado. Ela não era uma pessoa burra, nem refratária – ela era capaz de escutar, e mudar (pelo menos nas coisas mais pequenas e práticas, como foi esse caso).

Não sei como foi pra ela, essa experiência, mas eu aprendi que é minha responsabilidade estabelecer meus limites para os outros, deixar isso muito claro pra eles, e que SIM as pessoas podem mudar e a convivência pode ser melhor.

Dar feedback, no entanto, não é sempre tão simples. E tem alguns truques, que vou explicar melhor a seguir.

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