Fronteiras do Universo

HIs Dark Materials, Fronteiras do Universo, um amor.

No meio da pandemia eu decidi reler essa trilogia, depois de ter lido os 2 livros subsequentes (o último ainda não saiu, tá prometido pra 2023), que contam a história de Lyra bebê (livro 1) e Lyra jovem adulta (livro 2). Mergulhei de novo no universo, e de quebra achei um podcast delicioso que dedica 1 episódio a cada capítulo da trilogia original (a bússola dourada, a faca sutil e a luneta âmbar).

Ler e depois ouvir pessoas inteligentes comentando é uma experiência muito maravilhosa. Bem melhor que clubes do livro, porque nos permite ouvir com calma e com o devido isolamento pra reflexões. E essa trilogia tem uma enormidade de ideas pra fazer pensar.

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Pausa pra lembrança: no longínquo ano 2000, Gabriel e eu dividíamos uma casa enquanto ele acabava seu doutorado. Ele me pediu dica de alguma leitura leve (hahaha!) pra aliviar a cabeça e eu recomendei His Dark Materials.

Todo dia quando chegava do trabalho ele me esperava na cozinha pra falar sobre o livro, me trazendo sacadas que eu jamais teria sobre detalhes como os nomes e tantas outras ideias entrelaçadas na trama. Foi uma das épocas mais gostosas da vida, e lembro com muita saudade ❤️

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Além dos livros mais novos, tinha também a série da HBO, pela qual eu nutria sentimentos controversos depois do filme fracassado com Nicole Kidman, Daniel Craig e nada menos que Ian McKellen como Yorek. E o medo de ser péssimo e não acabar, de novo? Aquele terceiro livro é uma loucura, ainda não sei como vão colocar tudo na tela. Mas amor é amor, e reli tudo, ouvi podcast, e estou vendo a série é amando.

Com a terceira temporada (história completa, ufa!) vêm as passagens mais duras da história, e é sobre elas que quero falar porque elas coincidem lindamente com a atual fase do Otto: a transição da infância para a vida adulta.

A gente esquece como é difícil e dolorido, né? Em nenhum momento durante leituras e releituras múltiplas essa questão me pegou ou me reconectou com minha própria transição, mas observando meu filho revivo e aprendo sobre o quão dramática é essa fase.

Lyra deixa pra trás seu deamon, sua alma, pra cumprir uma promessa a um amigo. Ali, pra mim, foi quando ela disse adeus à sua infancia, com muita a dor e coragem. Como ela mesma repete à exaustão, “eu não tenho escolha”. O tempo e os hormônios não se importam de estamos prontos ou não.

Aquele corpo, pele, cheiro e voz da criança desaparecem. Os dentes de leite caem e nascem outros, maiores que a boca. Pêlos, coisas estranhas se manifestam no corpo e na mente, é uma transformação física e mental brutal, sem pausa e sem escolha.

Otto outro dia me disse “eu não quero que meu corpo mude!”. A disforia da puberdade é real, e então lembrei das mudanças no meu próprio corpo (mais cedo que ele, eu tinha 9 anos quando começou) e como é violenta essa fase. Ninguém fala sobre isso, tratamos como normal uma fase que é de luto real. O choro e desespero de Lyra atravessando as águas na barca é a manifestação concreta dessa fase.

Quantos de nós não se recuperam e continuam sonhando com a infância, com aquela realidade perdida?

Meu filho já começou sua transição, e enquanto observo com carinho e cuidado, revisito minhas próprias histórias esquecidas ou sublimadas, aproveitando pra acolher minha versão criança e adolescente também.

Eu que nunca quis ser mãe e depois mudei de ideia porque imaginei que seria uma experiência interessante de vida, não me arrependo. Ser mãe me deu a oportunidade de me reconciliar comigo mesma em versões anteriores enquanto acolho meu filho.

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