e o clima fazendo de nós gato e sapato

sempre estudei em escola pública e em 1979 estava na 1a série de um colégio municipal. a comida do colégio era maravilhosa: eu tomava café com leite e bolo de manhã cedinho e almoçava na escola (porque preferia, a comida era muito boa mesmo). até hoje eu e meus irmãos nos lembramos com saudade da comidinha quente nos pratos azuis de plástico e as colheres do mesmo material.

nós tínhamos que usar uniformes idênticos e absolutamente perfeitos: camisa branca (de gola, manga curta), saia plissada azul marinho, meia branca até os joelhos e aqueles sapatos pretos horrorosos. e a bandeirinha do brasil presa na lapela. cantávamos o hino todo dia, em formação. confesso que adorava cantar os hinos: aprendi todos os mais básicos, e em dias especiais podíamos cantar o meu preferido, “salve lindo pendão da esperança / salve símbolo augusto da paz”.

era a época da ditadura e de um silêncio que pra mim parecia simplesmente natural. meus pais tinham amigos desaparecidos, minha mãe já tinha apanhado em greve de sindicato e meu pai vivia metido em reuniões sindicais, cultivando aquela barba característica. mas isso nunca nos afetou diretamente, tudo era muito abafado. tem gente que diz que preferia a época da ditadura, que tudo era melhor, e eu era pequena demais pra concordar ou discordar.

ontem eu vi na TV um trecho de cobertura jornalística da década de 70, erasmo dias gritando a plenos pulmões para o jornalista que não tinha essa história de comício e passeata, não, que ia todo mundo preso mesmo. sei que nosso país é injusto e que a corrupção é uma doença que todos carregamos em menor ou maior escala (não negue não, todos nós praticamos nossas pequenas ou grandes corrupções todos os dias, até sem perceber), mas eu fiquei genuinamente feliz por atualmente termos o direito de protestar, ir a comícios, manifestações (políticas ou não). esse direito básico parece óbvio, mas pensem que há menos de 30 anos nós NÃO tínhamos esse direito; pudemos votar para presidente pela primeira vez só em 1989. esse nosso direito ainda nem ficou maior de idade e nós já o desprezamos, esquecendo o quanto foi difícil adquiri-lo.

não quero saber em quem você vai votar e nem interessa em quem eu vou votar. o que interessa é que há bem pouco tempo temos esse direito e não me conformo com tanta gente querendo abrir mão dele. também não estou feliz com as coisas que vejo na política, mas a verdade é que nunca estive — e tenho pena de quem se engana achando que antes desse “governo dos escândalos” esses mesmíssimos absurdos não aconteciam. mas é tão mais fácil fingir que não vê, eu sei… — e provavelmente nunca estarei. mas não consigo, sem me sentir um verme, não usar um direito que foi adquirido a tão duras penas. para o bem ou para o mal, prefiro dar minha cara a tapa e escolher.

não é de hoje que considero os omissos abjetos. são sempre os últimos a se comprometerem e os primeiros a criticar. são os mesmos que, em épocas de ditadura e repressão, levavam suas vidinhas como se nada estivesse acontecendo. seu lema é “isso não é problema meu” e são mais ou menos como urubus e outras aves de rapina: ficam por ali rondando o campo de batalha, torcendo pra alguém morrer (não importa de que lado vem a comida) pra que eles continuem se alimentando, felizes e gordos.

é uma forma bem-sucedida de se viver, não nego; ainda assim, prefiro me envolver e eventualmente virar comida de abutre. nem sempre podemos lutar as batalhas dos nossos sonhos, às vezes temos que lutar por aquelas que se apresentam no momento. e gosto de crer que batalhas intermediárias nos treinam pras grandes batalhas, aquelas que de fato são as nossas. e quando o dia chegar, quero estar pronta pra ser guerreira e não urubu.

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não reparem, é que ontem assistimos v de vingança, e… que filme, meu deus. eu li o quadrinho também (que aliás sumiu da minha biblioteca de gibis e suspeito que jamais será encontrado) e lembro bem da sensação: mexeu comigo. o filme trouxe de volta aquela sensação perdida (eu li há tantos anos!) de que é importante perceber que o problema é seu, sim senhor.

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vimos também underworld: evolution (anjos da noite), filme bem feito e ótimo pra quem gosta de histórias de vampiros e lobisomens.

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e fomos conferir abismo do medo (the descent) que, diferente da maioria dos filmes de terror, cumpre o que promete: é aterrorizante. algumas pequenas coisas são incômodas no roteiro, o filme não é impecável, mas vale cada minuto. eu gritei no cinema, senhores, mico dos micos. e dei pelo menos uma dúzia de pulos, com sustos que não são óbvios e nem apelativos, estão totalmente inseridos na história. eu não vi o tempo passar e ao mesmo tempo foi uma experiência que pareceu durar uma vida. filme de terror para os que realmente gostam de terror.

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mas confesso que nos 10 primeiros minutos de filme pensei: seis mulheres semi-histéricas sozinhas, explorando cavernas escuras, úmidas e apertadas? não precisa nem desenvolver o tema, só isso é motivo suficiente pra me fazer gelar o sangue 😀

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