nem sempre o que passou, passou

estou conversando bastante com a sam, que tá sempre por aqui dizendo coisas legais de pensar, sobre essa questão da auto-imagem e não se adequar aos padrões.

eu estou uma adulta gorda, neste momento. já fui uma adulta normal, nunca fui magra. a relação mais “magra” de altura x peso que tive foi 48kg em 1,52m (minha altura desde os 12 anos até hoje, espero não ter encolhido :D). o resto da vida adulta variei de 50 a 85 (!) quilos. mas qualquer coisa ali na faixa dos 60kg é bem razoável pra mim, me acho bem bonita com 65kg, mesmo que achem que 65kg para uma mulher de 1,52m é demais.

eu não fui uma criança nem uma adolescente gorda. até os 9 anos, aliás, eu acho que era bem magrinha – vejam uma foto minha com essa idade, na escola – e depois de ter hepatite engordei um pouco, voltando depois dos 11 anos a ter um corpo que eu considero normal. só comecei a engordar mesmo depois dos 20 anos, quando fiquei sedentária e preguiçosa 🙂 o apetite foi sempre o mesmo – ótimo.

minha irmã, que é bem magra, me “xingava” de gorda quando queria me agredir (porque mesmo não sendo gorda, eu era bem mais gorda que ela); ouvi piadinhas na escola e na família sobre ser “gordinha”. hoje eu vejo que eu não era gorda de verdade, a questão é que eu não era magra. e as pessoas medíocres precisam categorizar umas às outras – e quem não é magra é… gorda! pronto.

os xingamentos ou comentários incomodavam, sim, mas não o suficiente pra que eu me importasse. eu era uma menina inteligente e articulada, tinha muitos amigos e era muito boa aluna. me dava bem com todo mundo. o fato de não ser bonita e nem magra não fez falta, eu tinha outros atributos que compensavam muito bem. não precisei virar a louca da dieta e nem me empenhar em ser gatinha pra ser aceita.

mas… eu precisava ser legal, porque afinal era o que eu tinha de melhor. e pessoas legais não dizem não pras outras, elas precisam sempre agradar todo mundo! e parte de agradar todo mundo é aceitar tudo o que vem, literalmente engolir o que for oferecido, sem reclamar. e assim, pessoal, nasce um distúrbio alimentar.

eu gosto muito do meu corpo, da minha aparência, mesmo quando estou gorda. sei que posso e devo melhorar, não só pela minha saúde mas também pra me sentir mais bonita, mas estar gorda não me faz sentir horrível. aprendi que sou muito mais que minha aparência, já provei pra mim mesma essa tese há muitos anos. não quero ser magra, não serei magra e estou muito tranquila com as minhas escolhas estéticas. não quero nunca ter aquela “barriga de lipo”, da mesma forma que não quero nunca seguir tendências de moda. essas coisas não têm valor nenhum pra mim, portanto não tem porquê gastar energia buscando nada disso.

ao mesmo tempo, reconheço que é direito de todo mundo escolher. eu escolhi assumir meu corpo e não me render à pressão do padrão seja-magra; há quem escolha entrar no padrão, fazendo sacrifícios pra isso. às vezes vejo comentários dizendo que minha escolha é sensacional, “não aceitar o padrão” e tal. por quê? tanto eu quanto a que escolheu entrar no padrão fizemos escolhas, abrimos mão de algumas coisas e ganhamos outras em troca. não há escolha certa, há a escolha que nos deixa mais felizes, quando se passa a régua.

eu tenho, é claro, minha opinião a respeito de quem se violenta em favor da aparência, mas isso é problema meu. as que fazem lá seus sacrifícios não querem nem saber o que eu acho, o que importa é o tamanho da bunda no final do mês, é a admiração do namorado ou das amigas, sei lá eu o que importa pra elas. o que tenho certeza é que eu quero continuar comendo minha pizza, meus pastéis e sendo feliz; não abro mão de certos prazeres de jeito nenhum. e arco com as conseqüências, é claro – vira e mexe tenho que fazer milagre pra voltar prum peso minimamente aceitável, porque eu engordo, sim.

no entanto, o que menos me incomoda é o que acham sobre o meu corpo, isso eu ignoro sem o menor grilo. dureza mesmo é admitir que eu tenho uma desordem alimentar (e eu tenho), e que há por trás de cada porção a mais que eu como um problema emocional mal-resolvido. a dieta resolve os quilos excedentes, mas não cura a compulsão. e isso vem lá da infância, de quando eu era a menina “legal”, que tinha que agradar todo mundo.

com 36 anos, eu ainda tenho que agradar todo mundo. aquela menina vive firme e forte dentro de mim, e é pra ela que eu escrevo aqui boa parte das vezes. é pra ela que eu digo, dia sim outro também, que ela é bonita e tem valor, independente do que qualquer um diga.

pense muitas vezes antes de dizer que alguém é feio, gordo ou inadequado fisicamente, principalmente se for uma criança ou adolescente. preste atenção primeiro se o problema não está no seu olhar enviesado e, mesmo se estiver convencido que a pessoa é inadequada de verdade, guarde sua opinião pra quem perguntar. uma brincadeira, às vezes, tem impacto numa vida toda.

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  1. Amei. Tão honesto, tão preciso.

    Eu já sofri demais com o meu corpo, e meu buraco é bem embaixo. Desde recém-nascida eu fui chamada de feia (começando no hospital e perpetuado em casa), e o que eu fiz nessa vida pra conseguir ser aceita, você deve imaginar. Passei minha existência toda entregando o ouro ao bandido, e de bandeja.

    E eu era tão linda.

    E eu sou tão linda… Ainda bem que vi a tempo. 🙂

  2. Oi Zel, engreaçado vc comentar isto. Eu sofro de compulsão alimentar, assumo isto,sofro com isto mas não consigo me convencer a tratar.

    Não consegui identificar ainda o que provocou a compulsão, fui uma criança e adolescente magérrima, de sofrer preconceito e piadinhas com aquilo. Me lembro de olhar para as meninas mais cheinhas com inveja, pois de biquini ou de jeans, eu era horrível. Seria esta a origem, não sei…

    Tenho hoje 75kgs em 1,63. Portanto estou do mesmo tamanho que vc, senão maior… Mas acredito também que tamanho 42…44… é normal e não esteriótipo. Mesmo porque com 38 anos e 2 filhos..

  3. Nossa Zel, esse último parágrafo é tudo. É impressionante como as pessoas não têm o mínimo cuidado com as palavras quando falam da aparência de crianças e adolescentes. Eu abomino comentários negativos sobre peso, pele, cabelo feitos para pessoas de qualquer idade, mas nessas fases é muito pior…se estou perto e ouço dou bronca mesmo, porque essas coisas marcam a gente para a vida toda.

    Tenho uma prima de 17 anos magérrima, que foi uma pré-adolescente que ouviu de muitas tias antas e sem-noção que estava gordinha. Com o andar natural da vida (que as tias antas esquecem), ela menstruou, espichou, ficou magra e ainda se acha a gordinha da pré-adolescência. Detalhe: ela come pouco, muito pouco, chega a ser preocupante. Isso não se faz!!!

    Eu mesma ouvi a vida inteira que meu cabelo é feio, meu nariz grande e meu olho direito estranho. Como nenhuma dessas coisas me impediu de ser bem-sucedida em várias coisas (e as coisas em que fui mal-sucedida nada tiveram a ver com essas características) sei que nenhum desses defeitinhos é grande como fizeram com que eu acreditasse. Mas volta e meia essas mentiras que contaram para mim me pegam de jeito, ah se pegam. Lá estou eu com 9 anos de idade de novo achando que estão falando do meu cabelo.

    beijos e, de verdade, obrigada pelo post.

  4. ah, zel…

    mas uma pessoa q fala, na cara dura, q alguém é feio/gordo/inadequado, é de tal forma imbecil e insensível, q nem merece crédito!

    se bem q o mundo tá cheio de gente assim…

    qto à questão da aparência, acho q a gente precisa estar bem com a gente mesma. qdo a gente consegue, o resto fica mais leve!

    eu, aqui, não consigo dizer não. é difícil… até digo, mas pras pessoas erradas, praqueles mais próximos, não pra quem merece ouvir… enfim, é uma luta, sempre, companheira!

    bjs

    [zel] ana, nunca é demais lembrar que vale o mesmo pra quem é excessivamente magro – sempre tem gente dando palpite e dizendo o que fazer pra “engordar um pouquinho”… gente sem noção

  5. Olá Zel, esta é a primeira vez que comento, embora já acompanhe seu blog há tempos. Acho seus textos muito bons e incluí com prazer seu blog na minha “ronda diária”. Mas este post me levou a comentar, obviamente pela identificação, e pela vontade de imprimir, copiar e mandar para várias pessoas (com créditos, claro!). GENIAL. Um beijo!

  6. clap,clap,clap.

    eu nao sou gorda,nem sou magra. mas a adolescente que vive ainda em mim(vive em todos?) esta sempre querendo emagrecer,e eu tenho que ficar puxando a minha propria orelha.Isso começou na adolescencia,claro. Comentários maldosos das amiguinhas magrelas com quem eu nunca pude trocar roupas…

    Falando nisso o pudim de croissant: fiz. achei fácil e fiz a primeira sobremesa da minha vida. deu supercerto equando eu li que vc achou seco fiquei na dúvida se é uma questao de gosto mesmo ou se eu coloquei mais creme que pede a receita e ficou perfeito.

    Quando vc tiver a versao humidificada “under the belt” conta pra que eu confira,tá?

  7. Eu adoraria que vááááárias pessoas medíocres lesse isso. Mas esqueço que pessoas medíocres não “perdem tempo” lendo posts grandes.

    Me emocionou, Zel. De verdade.

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    Ah, deixa eu me apresentar, já que sempre venho aqui e nunca me manifestei. Tati, 28, Toledo-PR. Adoro a sua escrita, viu? Já ri muito com o perupatolinha! 😀

    Aquele abraço!

  8. meninas, lendo vocês aqui eu fico pensando… não devia haver alguma preparação na escola mesmo pra lidar com isso? porque não importa se é magro, gordo, baixo ou alto, o problema é que (1) as pessoas são cruéis e não aceitam a diferença e (2) não sabemos lidar com a agressão.

    complicado né? vou perguntar pra rosely saião 😀

  9. Zel, obrigada pela referência :o))

    Eu sofri com o efeito contrário. mas acho que a sociedade é bem mais cruel com quem julga acima do peso. para o adolescente isso é pior, porque as pessoas cobram um preço alto pela “entrada no mundo dos adultos”. ninguém poupa. faz parte do processo de crescimento, mas os pais devem estar atentos para que crianças e adolescentes tenham estrutura psí­quica pra suportar a pressão.

    tenho certeza que essas reflexões vão ajudar muita gente a rever as coisas. tanto por quem sofre quanto por quem protagoniza esses atos.

  10. oi Zel! Eu sou aquela que ficou com vergonha de te cumprimentar no Etna… hahaahha!

    Menina, e o que é a ditadura da chapinha???? Porque as mulheres nao assumem os cachos? eu tenho cabelo cacheado e adoro, aprendi a lidar com eles (nao é qquer cabelereiro que sabe cortar e cuidar) e não aliso meus cachinhos por nada nesse mundo.

    beijoca!

  11. Oi Zel,

    Sou mais uma que sempre passa por aqui e adora seu blog mas nunca comentou. Infelizmente para mim, meu papel em uma historia muito parecida com a sua foi de algoz e nao de vitima. Pois e, durante toda minha infancia atormentei a vida da minha unica irma (mais nova) chamando-a de gorda, baleia, Dona Redonda, Miss Tonelada e mais milhoes de apelidos “inteligentes e engracadinhos” na mesma linha (ja que eu era a “inteligente” e “espirituosa” da familia). Nao sei se era por ciume natural de quem foi filha unica por algum tempo e perdeu o trono com a chegada da cacula, crueldade infantil ou meu jeito de me afirmar, mas so sei que foi muito, mas muito ruim para ela e para o nosso relacionamento tambem. O engracado e que nao me lembro de como nossos pais lidavam com isso; tenho certeza de que era repreendida mas continuava fazendo a mesma coisa quando nao tinha ninguem por perto. Enfim, nos duas ja fizemos um bocado de terapia e hoje temos uma otima relacao, mas cicatrizes sempre ficam – para ela, uma auto-estima baixa (apesar de ser linda, linda) e para mim, o sentimento (ops, nao quero dizer “culpa” porque nao e bem isso) de ter de alguma forma contribuido para que ela fosse bem menos feliz do que poderia ter sido. Pretendo ter filhos e gostaria muito de que a historia nao se repetisse, mas nao sei se ha muito que os pais possam fazer nesse caso e, ainda que a gente controle a coisa dentro de casa, ha sempre o mundo la fora para cruel e friamente cutucar a ferida de cada um. Na medida do possivel eu tento remediar quando vejo esse tipo de situacao acontecer perto de mim, mesmo sob pena de ser considerada intrometida e inconveniente.

    Obrigada pelo post e por sua generosidade em nao se furtar a discutir um assunto que de alguma forma e doloroso para voce.

    Um abraco

    Raquel

  12. a gente demora tanto para perceber que é linda mesmo com toda feiúra que possui. 🙂

    eu que vivi até pouco tempo com meus 130 quilos e minha saúde que gritava. Fiz redução do estômago porque quero um filho e quero uma vida mais saudável para completar minha felicidade.

    E Zel, que boba que fui de não perceber antes que mesmo com 108 quilos (atualmente) eu sou bonita.

    Faço coro contigo contra os irresponsáveis que são otários em pregar que algo é mais importante que a felicidade e a saúde.

  13. Zel, algumas escolas já estão implementando atividades para lidar com as diferenças ensinando as crianças desde cedo. Na escola que o teo está agora, ele passou duas semanas fazendo atividades sobre as diferenças de tamanho, cor do cabelo, peso, óculos, dentes tortos e eu percebi que foi super importante pra ele lidar com isso. Agora ele tem sentido na pele o preconceito por fazer ballet. As próprias coleguinhas da turma falam coisas que nitidamente aprenderam em casa que é de onde vem os conceitos mais fortes e marcantes. O legal disso tudo é que a professora do ballet está trabalhando isso na sala de aula e me disse que está sendo muito importante a presença do Teodoro nesse processo. Mas nós, eu e o Má, ficamos de antenas ligadas porque sabemos bem o quanto as pessoas, mesmo as mais pequeninas, podem ser cruéis.

  14. zel,

    é sempre bom ler o que você escreve, mas nesse caso tive que me manifestar, já que passei por isso também, por toda a minha vida.

    estava pensando recentemente, que além de engolir o que vier, a gordura é um problema social, uma camada que aumenta visivelmente quando queremos nos proteger do mundo. percebo isso pelas próprias alterações de peso que enfrento constantemente (e o danado abaixa justamente quando estou feliz – nem aí pra ele.)

    sabemos também que pessoas que ofendem magros, gordos, narigudos, etc etc, a meu ver, são pessoas inseguras que PRECISAM diminuir outrem (que bonito) para sentirem-se vivas. esse artifício não é necessário, tanto que estamos aqui para provar que mesmo existem pessoas que não passaram por isso, e sabem quão cruel isso pode ser.

    beijo imenso

  15. Acabo de ler seu blog pela primeira vez, por indicação da Denize. Estou encantada.

    E quando li este post, pra mim o mais legal, tive de comentar: vc escreve muito bem!

    Parece que estou aí ditando a minha vida.

    Mas não, é a vida de muitos. E me trato. Às vezes tenho sucesso e me sinto a deusa-grega-maisque-inteligente-que-sou. De vez em quando acontece algo (e o peso aumeeeenta) e me sinto a escória da humanidade por não conseguir conter meus impulsos e não me cuidar mais.

    Enfim, tudo que li valeu muito! Obrigada, de verdade!

    Sou sua mais nova fã.

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