não dá pra ignorar

ontem uma família querida do nosso convívio passou por uma situação constrangedora, e que não desejo a ninguém. leia a história aqui, contada pelo pai. resumindo, as suas duas filhas foram aparentemente confundidas com crianças de rua e foram impedidas de voltar ao estabelecimento comercial onde acontecia nada menos que o aniversário da mais nova.

não sei de todos os detalhes, até porque o pai prefere não divulgá-los até que o BO seja feito e registrado, mas sei de uma coisa: já vi com meus olhos várias crianças serem humilhadas e enxotadas de locais públicos pelos funcionários. fingimos que não vemos (e alguns de nós até aprovam abertamente), mas é essa a realidade. pra além do imenso constrangimento causado às crianças, que poderiam ter sido poupadas de tal situação (consigo pensar em pelo menos meia dúzia de cenários humanitários pra questão “duas crianças na porta de um estabelecimento querendo entrar”), fica a pergunta: se as crianças fossem brancas, teria acontecido a mesma situação?

de verdade, gente, sejamos honestos. fossem duas crianças brancas querendo entrar no estabelecimento estou certa que o tratamento seria outro. pode até ser difícil de provar e tal e coisa, mas quem tem olhos pra ver que veja.

pra crianças em geral é difícil encontrar seu lugar no mundo, entender quem são, quais são as regras do jogo social, lidar com agressões físicas e verbais, reagir a insultos. são anos de aprendizado, e a verdade é que chegamos à idade adulta às vezes sem saber como lidar com isso tudo. não consigo imaginar o que é ser uma criança negra (ou de “minoria”, digamos). sei que ser mulher também é difícil, somos discriminadas sim, mas creio que discriminação por cor ou etnia é ainda mais cruel.

nenhuma criança devia sofrer discriminação ou humilhação de qualquer tipo. já é difícil entender o mundo e construir sua auto-estima quando as coisas são favoráveis. imagina quando tem gente escrota colocando você pra baixo e julgando pela sua cor e dizendo que seu cabelo é “ruim” porque não é liso?!

é uma questão importante pra todos nós, diariamente, pois vivemos num país mestiço e estranhamente cremos que não somos racistas. há quem tenha sugerido ao pai, nos comments, que “deixe pra lá”, pois foi um mal entendido, ou que a funcionária é uma “pobre coitada”. creio que é essencial que tanto a funcionária quanto o estabelecimento respondam pelo constrangimento e se for o caso, crime de racismo. na instância emotiva, pode até haver perdão, mas para que a sociedade seja justa e se façam valer as regras de convivência é importante que haja consequências. nada de botar panos quentes ou passar a mão na cabeça.

graças a esse tipo de condescendência é que nos tornamos cada dia menos cidadãos, levamos desaforo pra casa todo dia, vindo da rua, do trabalho ou dos nossos políticos. precisamos aprender a dizer não às agressões, às gracinhas e piadas de mau gosto. vivo dizendo isso aqui sobre sexismo e misoginia. estou cansada de piadas sem graça tipo casseta e planeta sobre a inferioridade feminina, por exemplo. não aceito, não acho graça e não compactuo. podem me chamar de radical e chata, não me importo. não sou chata e nem radical, sou orgulhosa de ser o que sou, e não vou deixar nenhum zé-mané me diminuir, mesmo que indiretamente.

da mesma forma, acho que essas meninas precisam ver com seus próprios olhos que não é justo e nem normal ser humilhada em um lugar público, mesmo que tenha sido um mal entendido “inocente”. cabem desculpas, no mínimo, formais. cabe também medida punitiva, garantindo que sirva de exemplo a outros potenciais agressores.

e os rapazes que agrediram gays na av. paulista, lembram? também alegam que foi um mal entendido. pois que entendessem bem, meus caros. quem entende mal também deve pagar por seu erro.

3 comments to “não dá pra ignorar”
3 comments to “não dá pra ignorar”
  1. zel, precisa de justiça! precisa de BO, precisa de julgamento e precisa, sim, de cadeia! não podemos mais abaixar a cabeça, olhar para o chão e dizer: ah, é assim. Não! não é assim! não dá pra ser assim! tem gente, ainda, que até faz brincadeiras com aqueles “loucos” que vão às ruas bater panela ou gritar… as pessoas tão achando tudo normal, tudo coisa que não dá pra mudar. E não! Não é assim!

  2. Eu queria comentar mais elaboradamente, mas agora não vai dar tempo. Então lá vai: a do ‘cabelo ruim’ já me deixou muito triste na vida, já me deu raiva e hoje em dia só me dá nojo. Quantas e quantas vezes eu ouvi e ainda ouço, às vezes de gente que nem me conhece direito: “por que você não faz progressiva?” Me dá náusea e eu desisto de responder.

    Sou filha de mãe loira e pai negão. Os brancos tentam me convencer: “mas você não é negra…”. Será que as publicidades de xampu, as novelas etc. deixaram as pessoas cegas, gente?

  3. Concordo totalmente… NÃO temos que colocar panos quentes não. Acho que tem que fazer BO e ir até as últimas consequências mesmo. Até como exemplo para as meninas. Que não podem/devem NUNCA tolerar este tipo de ignorância. E tem gente que ainda acha que quem bota a boca no trombone “é chato e quer criar caso”…

    Há muito tempo perei de “deixar as coisas para lá”. Vale à pena SIM dar o grito quando necessário. Infelizes são aqueles que estarão sempre calados, no conforto do lar, sem coragem de se pronunciar…

    Eu não sou radical não, mas as pessoas, realmente, precisam deixar de ser tão submissas…

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