Estamos só começando

Cada vez que vou falar de ler livros que na verdade tou escutando, dá um tilt na minha cabeça. Mas depois que li Neil Gaiman explicando que pessoas que leem em braille também leem, tou ficando mais acostumada.

Tou “lendo” uma série sobre zumbis escrita por uma mulher. É bem diferente, e tou amando. Ainda tem uns clichês sexistas mas pelo menos não é misógino, e tem boas personagens femininas.

Histórias de zumbis são sempre sobre humanos, e nessa história apareceu uma cena de estupr0. Este tipo de cena sempre me incomodou profundamente, embora nunca tenha acontecido comigo (assédio e abuso teve de monte, como a maior parte das mulheres que eu conheço). A cena em si foi muito tensa e perturbadora, mas a sequência foi pior: o estuprad0r colocando a culpa na vítima e mentindo; várias pessoas colocando a vítima em questão por causa da roupa, porque bebeu, porque estava no lugar e na hora errados. Todos os clichês máximos que qualquer mulher enfrenta quando denuncia.

Eu fiquei MAL lendo essa parte da história. 51 anos na cara, e ainda não consigo lidar com uma realidade que nos transforma em objetos para uso dos homens a qualquer dia, hora, ocasião. Eu juro que minha vontade era jogar o livro no chão e pisar em cima. Gritar, jogar coisas, quebrar. Ódio, puro e simples.

E me senti VIVA, porque quem não tá com ódio não tá prestando atenção. Tem que ter ódio sim, o ódio movimenta e faz a gente não se acomodar. A idade nos faz sentir mais fortes, seguras, certas de que nossa voz importa, nossas ações são necessárias.

Mais jovem, eu fingia que tudo bem. Eu deixava pra lá, fosse pra agradar macho da família, macho do trabalho, ou macho que me interessasse. Eu quero que o patriarcado se f0da, quero derrubar tudo. e quem quer que contribua pra que esse sistema de mantenha é barreira. Vou fazer de tudo pra derrubar.

Passei 30 anos, ou mais, querendo agradar todo mundo. Não mais, e cada dia tá pior (ou melhor.

Minha 3a idade será divertida.

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