sobre feministos e manifestos vários

Vamos começar falando sobre o quão falacioso é dizer que acabar com o assédio e a importunação de mulheres nas ruas e nos ambientes de trabalho é equivalente a acabar com a sedução e a paquera? Seres humanos são gregários e altamente disponíveis para o sexo, inclusive foi isso que nos transformou na maior praga do planeta. É da nossa natureza interagir, socializar, seduzir, e trepar. Se a preocupação fosse mesmo com o risco de exagero na censura e no puritanismo, deviam estar criticando as religiões e seus dogmas moralistas, e não o feminismo.

 

Mas tergiverso.

 

Pra ajudar a mostrar o quanto essa comparação e a “preocupação” são absurdas, dou alguns exemplos de cada caso, só pra ajudar no argumento. Exemplos reais, acontecidos comigo, não são hipérboles.

 

CASO A:

No ambiente de trabalho, enquanto estou sentada programando, um homem 20 anos mais velho que eu, um diretor, meu cliente (ele paga meu contrato), para atrás de mim e acaricia meus ombros enquanto fala comigo. Comenta sobre minha cintura, que é muito bonita. Todas as oportunidades em que me encontra ele me toca ou comenta sobre meu corpo. Tenho 22 anos e não tenho coragem de dizer que não quero ser tocada por ele, e que os comentários sobre meu corpo me deixam desconfortável. É meu 1º emprego, e ele é O CLIENTE.

 

CASO B:

Tenho 12 (doze) anos, estou andando na rua de short, na praia. Dois homens adultos parados na rua gritam enquanto eu passo: “VOU ARROMBAR ESSA BUCETINHA! OLHA PRA MIM, PRINCESA!” – “SE EU METER A LÍNGUA AÍ VOCÊ GOZA, QUER VER???”. Eu mando tomar no cu porque minha mãe me ensinou a não baixar a cabeça pra macho, mas morta de medo. Os dois mudam o rumo da prosa, gritando coisas do tipo “CALA A BOCA, SUA PUTINHA, SENÃO APANHA!”. Ando mais rápido, com uma mistura de raiva e medo.

 

CASO C:

Tenho 18 anos e um rapaz que eu não conheço me aborda no restaurante, e se apresenta. Diz seu nome, onde estuda, me pergunta onde estudo e se podemos bater papo. Eu digo que sim, e começamos uma amizade, que eventualmente leva a um relacionamento mais íntimo, embora nada “sério”. (e já aconteceu basicamente a mesma coisa, que algumas poucas vezes levou a sexo na mesma noite, algumas várias outras vezes não levou a nada)

 

CASO D:

Tenho 30 e muitos anos, e o segurança da instalação onde eu trabalho tem que olhar meu carro todos os dias antes que eu saia (procedimento padrão de segurança). Ao fazer isso e me liberar ele diz “boa noite, moça do sorriso mais bonito dessa planta!”.

 

Acho que a enorme maioria de nós concordaria que nenhuma mulher devia passar pelos casos A e B, e que os casos C e D são OK, não? (deixem opinião nos comentários)

 

Não consigo conceber alguém negar que A e B tratam-se de abuso de poder, de violência psicológica. Só sendo muito sem noção pra achar que as abordagens feitas pelos homens nestes 2 casos têm alguma intenção positiva. Apelando, não dá pra imaginar nem o mais machista dos homens que conheço achando OK suas irmãs, mães, filhas passando por isso. Só se for alguém do século passado, ou de alguma cultura altamente misógina, que poderia argumentar que estes casos só aconteceram porque lugar de mulher não é trabalhando nem andando na rua de short.

 

Já os casos C e D, imagino que a maioria também vai concordar que se tratam de tentativas de aproximação razoáveis. Talvez a D seja simplesmente simpatia, ou gentileza, e “se colar, colou”. De qualquer forma, ambas não ofensivas, não agressivas, não invasivas. (se a moça for lésbica, no entanto, o C e D podem também se tornar o B, dependendo da resposta dela…)

 

Será que alguém discorda que os casos A e B têm naturezas muito diferentes de C e D? Nenhum daqueles homens lá de A e B tinha interesse real em mim, em me conhecer, ter algum tipo de relacionamento que fosse saudável PRA MIM. O caso A, especialmente, posso afirmar que era exercício de poder puro. Ele fazia o mesmo com todas as mulheres em todas as oportunidades, e não queria uma namorada ou uma amante (ele já tinha as 2 coisas). Ele queria exercer seu poder de macho alfa. Sobre o caso B acho que não preciso nem comentar.

 

Dito isso tudo, vocês não acham razoável e bom que os casos A e B não aconteçam tipo NUNCA? Que nenhuma menina ou mulher tenha que passar por isso?

(Claro que vocês acham. Precisa ser um IMBECIL COMPLETO pra achar que não)

 

Já posso escutar daqui a seguinte ladainha – “ain, mas vocês feministas RADICAIS querem proibir TUDO, inclusive C e D! Se fosse só A e B, tudo bem…”

 

Colega, senta aí, escuta a tia, que é mulher há 45-quase-46-anos-socorro, que te conto como é ser uma mulher que frequenta o espaço público e ganha seu próprio dinheiro ralando por contra própria:

90% (*) das interações não solicitadas com homens hétero são do tipo A e B.

10% (*) das interações não solicitadas com homens hétero são do tipo C e D.

(*) dados extraídos diretamente do DATAZEL. Aceito dados outros para balanceamento dessa média. De mulheres, claro porque – ADIVINHA! – homens não sabem o que é isso.

 

Vocês acham mesmo que se fôssemos elogiadas e tratadas com muito respeito na enorme maioria das interações não solicitadas com homens hétero, estaríamos reclamando? Temos mais o que fazer. Trabalhar mais pra ganhar 30% a menos, por exemplo.

 

Mas ‘pera, acho que ouvi mais uma coisinha – “Ihhh… essa sua experiência aí é coisa de mulher feia! Vê se se arruma, baranga! HueHueHue!”. Pode substituir “feia” por “pudica”, e “se arruma” por “vai dar”. Batuquemos, e sigo.

 

Querer se livrar desses 90% de interações medonhas, assustadoras, irritantes e ECAQUENOJO! não tem nada a ver com odiar homens, nem não gostar de sedução, cortejo ou sexo, nem querer censurar nada. Aliás, esses pontos aqui não tem NENHUMA correlação com o assunto.

 

As pessoas confundem alhos e bugalhos. Especialmente as pessoas que dividi em 4 grupos só porque eu gosto de itens (categorizar me acalma, me deixa):

– Mulheres que vivem na bolha quentinha do privilégio de não ser constantemente invadidas e/ou assediadas na vida, gostam muito dela e defendem até a morte. Tenho inveja.

– Mulheres que normalizaram essa situação de invasão e agressão constantes. É um mecanismo de sobrevivência, entendo e sinto muito por elas. Talvez seja possível dialogar, vale tentar.

– Homens horríveis, que simplesmente não conseguem diferenciar violência de cortejo (infelizmente é comum também; basta crescer assistindo filme pornô e fica fácil acreditar que mulher gosta de apanhar e ser humilhada, e que NÃO = SIM). Tipo aquele meu ex-amigo que dizia que “mulher, se não tivesse buceta, eu nem bom dia falava” ou seu tio que diz que “ele não sabe porque bateu mas ela sabe porque apanhou”. Fuja deles, não tem diálogo que resolva.

– Homens que não são horríveis, vários são até muito legais e do bem, mas que não têm ideia do que é ser mulher nessa vida, e não sabem do que estão falando. Ajudariam mais ouvindo as mulheres e tentando tornar os amigos homens deles menos idiotas, mas preferem nos encher o saco.

 

Pessoas, ó: o que queremos não é proteção, nem ser tratadas como pobres vítimas, nem deixar de praticar sexo (Gostamos. Juro.), nem tampouco cercear o direito de ir / vir / passar vergonha de nenhum homem hétero, não.

 

O que queremos é:

(PAUSA DRAMÁTICA)

 

Educação.

Respeito.

Ser tratadas como um ser humano que tem direitos.

Trepar só quando quisermos, e com quem quisermos.

Dizer NÃO e sermos ouvidas. Na hora.

Sermos levadas a sérios, e vistas como algo além de tetas, bunda e uma buceta.

 

Não acho que seja pedir demais, hein?

 

Beijo da tia.

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