decidimos desde que o otto nasceu que ele ficaria em casa, com a babá, até completar 2 anos. a decisão foi tomada junto com o pediatra, que nos aconselhou a evitar escola antes dessa idade principalmente porque o sistema imunológico do bebê não está completamente desenvolvido até os 24 meses e a incidência de doenças é muito grande, dando um trabalho danado para os pais (lembre que a maior parte das escolas e creches não aceitam crianças doentes, elas precisam ficar em casa quando estão com febre, por exemplo).
mas só pra esclarecer: nós somos adeptos da filosofia de que a exposição aos germes é importante para a saúde, deixamos o menino lamber o chão, beijar o cachorro, comer terra, enfim. nossa decisão tinha mais a ver com comodidade que qualquer outra coisa.
além disso, a maior parte das crianças toma iniciativas de socialização com outras crianças por volta de 2 anos somente. antes disso, elas brincam fisicamente juntas, mas cada uma no seu próprio mundinho, sem de fato socializar. ou seja — ele não estaria perdendo muita coisa nesse aspecto.
chegando perto dos 2 anos, percebemos que o otto começou a se interessar mais por outras crianças, e principalmente que estava ficando mimado demais (tudo é dele, não aceita ser contrariado, etc,.). sabemos que faz parte da idade, e sendo filho único fica complicado não dar atenção excessiva e mimar. mas ficar o dia todo com uma babá que é praticamente avó dele (faz tudo que ele quer e mais um pouco) estava nos preocupando. somos bastante rígidos com ele (ou pelo menos tentamos!) e temos horror de crianças mimadas. colocá-lo na escola logo que completasse 2 anos era essencial pra nós.
depois de uma pequena pesquisa na cidade (moramos em vinhedo), optamos por uma escola waldorf. vimos opções construtivistas também, que achamos interessantes, mas além da abordagem pedagógica (da qual falo daqui a pouco), o que mais nos encantou na escola que escolhemos foi o espaço físico, com poucas crianças e o menu de almoço. a escola é uma pequena chácara, com 2 turmas somente (maternal e jardim) e 1/2 período. muito espaço verde, todos os brinquedos de madeira e pano (materiais naturais) e um cardápio orgânico muito próximo da forma como alimentamos o otto em casa até o momento: nada industrializado no dia a dia, sem temperos excessivos, sem açúcar e doces. muitas frutas, comidas preparadas em casa.
novamente, não somos radicais-odara. o otto come pipoca, feijoada, bolo, chocolate, já comeu salsicha e linguiça, mortadela, enfim. mas nada disso é regra, é sempre exceção. no dia a dia, ele come arroz, feijão, proteínas variadas na semana (frango e ovo só orgânico), verduras e legumes orgânicos na sua maoria (quando não tem também não estressamos, come o que tem), sem sal e sem açúcar, pouco tempero, muitas frutas e de vez em quando bolo simples feito em casa. ele não come “sobremesa”, somente frutas depois das refeições, não come frituras e nem embutidos. suco só damos de laranja natural (feito na hora) e de uva orgânico (ele nem gosta tanto assim de suco, na verdade). mas quando comemos fora damos batata frita, bolo. o que nunca demos e não pretendemos dar antes que ele seja bem maior é refrigerante (tratamos como bebida alcoólica — é de adulto e ponto final) e balas/pirulitos. de resto, é isso: fazemos o melhor no dia a dia, e concedemos exceções sem problema.
voltando à escola: a alimentação segue os mesmos princípios que nós seguimos, com a vantagem de colocá-lo pra comer na mesa, junto aos coleguinhas (seja o que zeus quiser quando ele começar a almoçar lá… a bagunça vai ser épica). uma das coisas que nos animou quanto ao sistema waldorf foi que eles não têm “aulas” para crianças até os 6 anos completos. eles não ensinam letras, números, absolutamente nada que se pareça com alfabetização ou coisa assim. as crianças aprendem atividades manuais e criativas somente, são livres para brincar e desenvolver outras habilidades tais como pintar, cantar, tocar instrumentos, desenhar e até cozinhar.
quem tem a expectativa de ver seu prodígio fazendo contas e lendo antes dos 7 anos não deve ficar muito contente com a abordagem, mas pra nós ela pareceu perfeita. somos muito mentais, eu e o fer. fomos alfabetizados muito cedo, somos ambos excelentes em matemática e sempre estivemos entre os primeiros das nossas turmas. valorizamos bastante o intelecto, e exatamente por isso achamos que precisamos balancear de alguma forma esse nosso modus operandi inconsciente para com nosso filho. é natural que o otto aos 2 anos conte até 40 (e aumentando a cada semana…) e já saiba todas as letras do alfabeto. isso aconteceu sem que a gente percebesse, mas certamente tem influência nossa, mesmo que inconsciente.
sabemos que nosso filho não é um gênio (esses são gênios, vejam os números 8 e 9. o número 8 aos 2 anos fazia operações algébricas…), ele simplesmente responde ao ambiente em que vive. queremos que ele tenha oportunidade também de ser exposto e experimentar coisas que nós não oferecemos de forma natural (aquarela, e outras atividades criativas) simplesmente porque somos quem somos. nós vamos querer ensinar o otto a andar de bicicleta, plantar, cozinhar, ver filmes, ler livros e gibis, fazer contas e jogar jogos. são as coisas que nós gostamos de fazer, nossa zona de conforto.
não sabemos ainda se essa pedagogia vai nos deixar confortáveis depois dos 6 anos. pretendemos visitar as opções de escolas waldorf na região para crianças maiores, e então decidir. mas por enquanto estamos confiantes que essa é a melhor opção pra ele, que já se mostra um menino bastante organizado e um tanto perfeccionista (impressionante como isso já se manifesta aos 2 anos!).
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é claro que estávamos tensos com sua primeira experiência na escola. ele sempre foi muito mimado e protegido, não só por ser filho único mas porque nasceu numa circunstância muito preocupante. ainda há o fantasma de possíveis seqüelas do parto (por mais que os pediatras que consultamos tenham nos assegurado que tudo está indo muito bem), qualquer bobagem que todo mundo diz que é normal, como ele começar a falar somente aos 20 meses, nos preocupa.
e existem as outras crianças do mundo, aquelas que podem morder, bater ou simplesmente chatear nosso filhinho querido. ele vai chorar? vai sofrer? como podemos poupá-lo, afinal?
não sou uma mãe diferente das outras, é claro que me preocupo com meu filho. mataria e morreria por ele. mas quando me comparo ao pai dele, percebo que não sou superprotetora, e que desejo com certa ansiedade que ele comece a enfrentar dificuldades típicas de tornar-se um ser humano: confrontar diferenças, lidar com a frustração, aprender a dividir, aprender a defender-se, entender que o mundo não gira em torno dele, aprender a negociar e lidar com o outro.
por mais que eu vá sofrer quando ele sofrer (é inevitável. não é possível ser mãe e não se doer pela dor do seu filho), estou absolutamente certa que enfrentar frustrações e dificuldades o quanto antes fará dele um adulto melhor, vai ajudá-lo a lidar melhor com as adversidades para o resto da vida. minha missão como mãe é prepará-lo para ser um adulto independente, que sabe ultrapassar obstáculos porque tem confiança em si mesmo e sabe que é sempre possível tentar de novo, mudar, adaptar-se. se conseguir isso, considero minha missão como mãe e educadora cumprida.
e parte dessa missão é deixá-lo responder do jeito dele às barreiras e desafios. orientando e acolhendo, sempre, mas sem sufocá-lo ou protegê-lo da realidade.
e foi com esse espírito que no 5o dia da adaptação na escolinha eu coloquei ele no chão, ajeitei a mochilinha nas suas costinhas pequenas e deixei andar SHOJINHO (sozinho, como ele pediu, e eu respeitei) até sua professora. lá dentro, eu o convenci a guardar a mochila e entrar na sala (ele queria ir para o quintal, claro), avisei que iria trabalhar e que ele ficaria lá com os amiguinhos e as professoras. e ele me deu um beijo contrariado (não por eu ir embora, mas por ele não poder ir para onde queria) e saiu andando, sem nem olhar pra trás.
tive tanto orgulho dele! e tive orgulho também de mim, porque não sofri nem um pouco e fui muito feliz naqueles instantes de demonstração da independência dele. tive toda a certeza de que sou e serei uma boa mãe, que não sufocarei meu filho e nem terei crises de depressão no dia em que ele for viver sua vida independente da minha.
foi só um instante, um beijo e um tchau, mas foi também a projeção de um futuro possível e totalmente coerente com tudo que acredito. que ser mãe não é padecer no paraíso, nem sofrer. ser mãe é contribuir para um mundo melhor através da criação de pessoas cada vez melhores, mais felizes, confiantes e independentes.
vá ser feliz, chorar, sofrer e descobrir as maravilhas do mundo, meu filho querido. não estarei sempre do seu lado fisicamente, mas estarei sempre junto cada vez que você virar as costas e andar sem mim, pois minha missão foi muito bem cumprida se você simplesmente souber que é capaz de tudo que quiser.
PS 1: a propósito, hoje cedo deixei ele de novo na escolinha e fui embora (desta vez ele fica a manhã toda). novamente ele fez questão de usar a mochila ele mesmo, mas me deu a mão para entrar. entrou sozinho, me deixou ajudar com a mochila e me deu um beijão e um sorriso de tchau, antes de ir cuidar da sua vidinha.
PS 2: ele agora não pode entrar no carro que quer ir para a “ecolinha”. voltou ontem da escola sorrindo e repetindo o caminho todo “tá feliz! tá feliz!”. como não ser feliz junto?