circula por aí essa entrevista concedida pela filósofa marcia tiburi a respeito do mito da maternidade, e o movimento pela libertação das mães (MLM).
eu gostei muito da entrevista, e da perspectiva dela. aqui no meu espaço pessoal, me permito julgar só um pouquinho, e com base somente na leitura dessa entrevista, um aspecto que me chamou a atenção: a pena da mãe (da geração anterior a ela) e também da filha (a ponto de pedir desculpas por tê-la trazido a este mundo). suponho que ela tenha pena de si mesma também, por extrapolação, e realmente não gosto desse posicionamento da mulher como vítima da sociedade, #mimimi. me parece até que existe um incômodo com a condição de mulher/mãe/filha. mas isso é assunto pra terapia (a dela :)).
e foi só isso que não gostei, de resto concordo muito com o posicionamento e a interpretação. gosto especialmente da clareza com que ela desconecta (e critica) o aspecto “natural” da maternidade do ato prático em si:
“uma mulher até pode vir a gostar do filho depois do parto, mas não quer dizer que tenha gostado de pari-lo ou que tenha se encantado com sua condição de bebê. não podemos mais naturalizar isso. naturalizar é mistificar.”
concordo tanto! já repeti isso com outras palavras aqui inúmeras vezes, e fico feliz em saber que outras mulheres também o percebem: maternidade não é sinônimo de instinto, amor incondicional e nem prazer em cuidar de bebês. até porque (me repito, sem parar) nossos filhos são bebês e crianças a menor parte de suas vidas. a maior parte das nossas vidas somos adultos, e continuamos a nos relacionar com nossos pais. não ser plena e feliz cuidando de bebês não quer dizer absolutamente nada sobre sua capacidade como mãe, ou seu amor, enfim.
adorei a insistência dela sobre ser mãe <> ter filhos! qualquer pessoa, independente do sexo ou da relação afetiva/genética, pode ser mãe, pode estar mãe em algum momento. pais, amigos, tios, professores podem ser mães. eu já tive mães outras em vários momentos da vida, já fui mãe pra minha mãe, inclusive.
e não posso deixar de mencionar a importância da questão do aborto e da opção de simplesmente não ter filhos (atenção — podemos continuar sendo mães sem ter filhos ;)). e do quão é importante permitir essa opção sem julgamento. assim como é essencial para que sejamos livres, como mulheres, podermos trazer à luz nossos incômodos e dificuldades com a maternidade.
mas como assim, é incômodo ser mãe? como podemos dizer que é chato, cansativo e irritante às vezes? que tipo de mãe somos nós, que não padecemos no paraíso, que não idolatramos nossa placenta e nem os rebentos maravilhosos, raios-de-luz que trouxemos ao mundo? como temos coragem de optar pela maternidade e não nos dedicarmos completamente a ela, aos nossos bebês? se era pra reclamar, por que parimos?
é incrível como mulheres que se acham modernas e humanas repetem (consciente ou inconscientemente) essa mística, esse discurso reducionista e ralo de que “ser mãe é se dedicar”. e que se não for para se dedicar completamente ou se for pra reclamar, “melhor não sê-lo”.
lutamos pelo direito a abortar um feto, mas criticamos opções de maternidade diferentes da visão mais idealizada da santa-mãe-dedicada? liberdade então só vale para quem ainda não é mãe, é isso? resolveu parir… embale! tsc, tsc, tsc.
que possamos ser livres, com ou sem filhos, para exercer nossa maternidade da forma que melhor nos couber, dentro das oportunidades que forem apresentadas e da nossa possibilidade. com responsabilidade, claro, que é o que se espera de um ser humano decente, em relação a qualquer outro par. mas sem culpa, sem cartilha, e sem julgamento.
pratiquemos a diferença, sejamos diferentes. se quisermos mudar o mundo, devemos mudar através de ações, não é preciso dizer aos outros como viver. as opções de vida e comportamento são infinitas, muito mais diversas e únicas que a nossa capacidade de interpretação ou projeção.
o mundo, as pessoas e os comportamentos não precisam fazer sentido pra todo mundo o tempo todo. precisamos parar de tentar “fazer caber” o comportamento alheio no nosso sistema, ou mapa mental.
como meta pessoal, pratico (com extrema dificuldade e várias falhas) não julgar, não rotular, concentrando em melhorar a mim mesma somente (o que já é muito e bem difícil). ao resto do mundo, reflito e respondo, usando minha perspectiva, na esperança de oferecer outro ponto de vista e assim eventualmente ajudar alguém.
vida longa a qualquer iniciativa de libertação, seja do que for. o que menos precisamos é de mais uma âncora-de-expectativa sobre o que devemos ser.