fabricando

a mãe-possível

February 25, 2011 · 13 Comments

a pedido do marido estou escrevendo este post. o objetivo é esclarecer algumas coisas sobre os assuntos deste blog para os que não me conhecem ou não acompanham todos os posts desde o início.

este blog é sobre a minha experiência com a gravidez, parto, amamentação e criação de um ser humano. bem, não só experiência mas também minha opinião, “testada” ou não. vocês vão encontrar relatos, palpites, desabafos e algo como um diário para o meu filho (um texto mais afetivo que objetivo). penso (e isso está só no campo das idéias por enquanto) em organizar algumas informações em formato de manual, para ajudar outras mulheres em condições parecidas com as minhas nos assuntos amamentação e alimentação do bebê.

me sinto um pouco ridícula escrevendo isso, mas vá lá: não pretendo convencer ninguém sobre nada, não me sinto dona da verdade e nem acho que minha experiência/postura é a “certa”. esta vivência é a minha, a que o contexto no qual eu vivo e a pessoa que eu sou permitem e proporcionam. tenho cá minhas opiniões sobre certas posturas e decisões, mas é isso – mera opinião, que não tenho intenção e nem desejo de impor a ninguém. tenho o direito de criticar o que quiser, esse é meu espaço, e reconheço o direito alheio de discordar e fazer as coisas de outra forma.

(mas não aceito ofensa pessoal aqui no meu espaço, e não tolero anonimidade. estou me expondo ao assinar meus textos, se você quer discutir, assine também os seus textos e talvez possamos conversar)

esclarecido esse ponto, vamos à perspectiva.

para efeito didático, vamos ser simplistas e dividir o mundo da maternidade (e paternidade também. como não existe “parenthood” em português, vou usar a versão feminina porque sou eu a autora do blog) em dois extremos: a mãe-odara e a mãe-biônica (naquele sentido que se usava na época da ditadura).

a mãe-odara é aquela que se realiza completamente na maternidade, ama tudo o que diz respeito a este assunto e se dedica a ele de coração, corpo e mente. a mãe-odara pararia de trabalhar para cuidar dos seus filhos, se pudesse, acha que o cocô do seu filho não tem cheiro, é defensora ferrenha do parto natural, da amamentação até quando o seu filho desejar. acredita que parto natural e a amamentação são essenciais para estabelecer o vínculo mãe-bebê, e que sem isso a relação fica prejudicada. ela defende ficar com o bebê no colo tanto quanto for possível, dormir junto, participar de todos os momentos da educação e crescimento do seu filho. ela oferece alimentos saudáveis e orgânicos para o seu filho, cozinha a comida dele, limpa e cuida de tudo que diga respeito às suas crias. ela chama seus filhos de “cria”, e a si mesmo de mamífera. ela celebra a gaia dentro de si, considera a maternidade o grande dom e presente da natureza.

a mãe-biônica engravidou porque o marido quis, porque queria arranjar marido ou porque ser mãe é “in” e todas as celebridades são mães. ela morre de medo da gravidez estragar seu corpo, faz dieta a gravidez toda, usa um milhão de cremes e faz luzes no cabelo apesar de potencial risco para o bebê, porque precisa estar bonita sempre. tem horror absoluto a parto normal (que dirá natural), isso é coisa de índio e pobre. não quer sentir dor de jeito nenhum e principalmente quer estar linda no dia do parto para sair bem nas fotos (e não conta pra ninguém, mas não vai arriscar estragar sua “área de lazer”). não vai amamentar, porque o peito vai cair. algumas até fingem que tentam amamentar, mas desistem logo porque dá muito trabalho e impede suas outras atividades sociais. terceiriza completamente todo o cuidado e educação dos filhos para a babá e a escola por pura falta de interesse, e o motorista leva seus filhos para o pediatra (com a babá, que é quem sabe o que se passa com o bebê).

(há um outro tipo de mãe nessa ponta da escala, as psicopatas que largam seus filhos na rua ou usam como mera mão de obra. mas essas estão na categoria “loucas”, nem vou entrar no mérito)

antes de seguir, é essencial que eu diga que entre estes 2 extremos, considero o primeiro – de longe! – melhor. e guardadas as devidas proporções, eu mesma estou muito mais para a mãe-odara que para mãe-biônica! defendi e continuo defendendo parto natural, amamentação livre demanda, contato máximo com o bebê e a responsabilidade total pela alimentação e educação dos meus filhos. tudo isso em escala real, dentro das minhas limitações, possibilidades e (por que não?) desejos. a mãe-odara é o modelo da abnegação e a mãe-biônica o modelo do egoísmo. e todos sabemos (ou devíamos saber!) que qualquer destes extremos beira a sociopatia e deve ser evitado.

já fiz aqui várias críticas ao que batizei de mãe-biônica, e quando me deparo com este tipo (eles existem. aqui no condomínio onde moro tem várias) sinto muito pelos bebês. são eles que sofrem a falta da mãe, de carinho e que no médio e longo prazo vão carregar o peso dessa ausência. e sofro pela sociedade também, que ganha vários membros sem afeto e sem educação. esse perfil está longe do que desejo pra mim e para o meu filho, mas honestamente não me afeta que algumas mulheres optem por este caminho. principalmente porque elas não se vêem como evangelizadoras salvadoras da humanidade. elas cuidam da própria vida, muito obrigada, não se meta. elas simplesmente desprezam as mães-odara, com um virar de olhos de puro desdém. “hippies”, diriam, e continuariam a comprar na daslu enquanto a babá de branco leva seus filhos pela mão.

a mãe-odara, por outro lado, pode ser benéfica para seus filhos (será?) mas pode se tornar maléfica para outras mulheres. elas se consideram a salvação da humanidade e por isso mesmo fazem questão de evangelizar, pregar e condenar. elas fazem sites na internet para divulgar as maravilhas do parto natural, da amamentação, fazem eventos de celebração da maternidade, participam de listas de discussão exaltando as maravilhas da maternidade ativa, de quanto isso é lindo e maravilhoso e correto. elas se consideram superiores, evoluídas, se auto-denominam “empoderadas” e têm raiva visceral de quem não partilha e pratica da sua cartilha. elas são engajadas, hormonais e agressivas como fêmeas recém-paridas defendendo a cria. e se você duvida, experimente entrar numa lista de discussão desta casta de mulheres e dizer que vai começar a oferecer alimentos para o seu bebê de 5 meses e meio (como eu estou fazendo), pelo motivo que for. prepare-se para ser estraçalhada.

acho as mães-biônicas um horror, fato. mas elas não me afetam, não afetam a outras mulheres, porque elas fazem opções individuais e vivem suas vidas. as mães-odara, por outro lado, com seu engajamento xiita, se tornam ditadoras e afetam negativamente outras mulheres. elas julgam, condenam e fazem com que mulheres que não querem ou não podem ser mães-odara se sintam inadequadas no momento em que estão mais frágeis (na gravidez e pós-parto).

e eu não estou exagerando, gente. basta pesquisar na internet, entrar em grupos de discussão ou sites sobre maternidade pra se sentir mal. se você não for uma das que optou por ser mãe-odara, pobre de você. não vai ter liberdade pra conversar sobre opções não-odara sem ser rechaçada ou indiretamente diminuída pelo tom de superioridade das mães perfeitas. seu parto foi normal, mas com intervenção? “ah, que pena… você não conseguiu viver aquele momento lindo, único e especial do parto natural, pobrezinha! quem sabe no próximo?”

pobre mesmo de você é se fez uma cesárea, não conseguiu amamentar ou colocou seu filho numa creche (heresia!). todas as mães-odara vão balançar as cabeças, com pena de você, e dar o maior apoio para você engravidar logo do próximo filho, pra “fazer certo dessa vez, agora que você encontrou a luz”. e não ouse nunca manifestar sentimentos negativos em relação à maternidade, é tabu. a maternidade, pra essas mulheres, é toda linda. não tem lado B, não, porque “todas as dificuldades são compensadas pelo sorriso do seu filho”. really?!

eu repito: não estou exagerando. vá, e veja.

meu incômodo, portanto, é com a patrulha, o radicalismo, a crença cega de que há a forma “certa” de ser mãe e coitada de você se algum dos elementos faltar (parto natural, amamentação exclusiva até quando deus quiser, dedicação total aos filhos e somente sentimentos positivos promovidos pela ocitocina).

mas esse blog, afinal, não é um panfleto. não é pró nada e nem contra nada. é sobre mim, sobre meu filho e sobre minhas opções. por acaso esbarro nos assuntos mãe-odara e mãe-biônica aqui e ali, porque gosto de usar os extremos pra reforçar a importância da temperança. porque sou real, com problemas reais e cheia de limitações. não sou egoísta a ponto de largar mão do meu filho pelos meus interesses, mas não estou tão encharcada de ocitocina ou possuída por gaia a ponto de abrir mão da minha vida e dos meus desejos pelo meu filho.

sou humana, cheia de defeitos e qualidades, e é com isso que terei que me virar. sou uma mãe-possível.

Categories: maternidade