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obrigada, meu filho não precisa de 100 mil reais

December 5, 2012 · 4 Comments

num mundo onde existem coisas como essas, eu não devia me espantar com um BBB de mamães e bebês. mas me espanto, felizmente, em especial por estar num programa que há pouco tempo promoveu opções bem radicais de maternidade, completamente opostas à relação destas mães com seus bebês e as “dicas” de desmame (ESQUEÇAM as bobagens que este senhor falou, por favor).

sim, acho esse programa ruim para os bebês, que são expostos a um ambiente antinatural, com clima estressante e competitivo, enquanto suas mães passam por provas que certamente não as tornam mães melhores. mas pra mim o pior mesmo é o que o programa faz com as mães, que são induzidas pela promessa de que estão fazendo algo de bom para o futuro dos seus filhos! vejam o “mote” do programa: “Esta edição traz muitas novidades para as mães que sonham em proporcionar um grande futuro para os seus bebês.” (grifo meu)

100 mil reais vão proporcionar um grande futuro para os nossos bebês? sério?

antes de dizer (e digo) que aquelas mães estão lá porque querem, oras, que são gananciosas ou simplesmente sem noção, penso que não existe mãe que não queira “proporcionar um grande futuro para o seu bebê”. seja lá como queremos fazer isso, é isso mesmo que queremos. mais do que a mera vaidade ou falta de noção, esse programa joga com o desejo poderoso de toda mãe de ver seus filhos sendo melhores, bem-sucedidos. felizes? aí já não sei.

sei que é um programa com duração limitada, e de verdade não acho que fará MAL a nenhum dos bebês. mas não paro de pensar que essas mães perderam a noção, o norte, quando se deixaram encantar pela promessa do dinheiro ou da fama numa foto de propaganda de pomada.

essa história me leva a pensar no quanto estamos longe de entender o que é felicidade e sucesso, o que é criar um ser humano que possa ser pleno e feliz. é preciso ter dinheiro, fama, estudar em harvard, visitar a disney? sério?

desde que me tornei mãe penso demais nisso: o que quero para o meu filho no futuro? devo comprar imóveis, guardar dinheiro, investir em ouro ou ações? preciso de um fundo de investimento para a faculdade dele, o MBA? será que devo colocá-lo numa escola que o prepare para o GMAT, ITA, USP desde já? devo colocá-lo numa escola bilíngue aos 2 anos, para que ele não precise estudar inglês e fale como nativo sem dificuldade?

de verdade, é isso tudo que está na cabeça dessas mães. são 100 mil para que meu filho seja melhor que o seu, melhor que elas próprias, que seja… feliz?

quanto mais penso nisso, mais acho que não devo me concentrar em TER e PAGAR nada além do necessário. que o que meu filho precisa para ser feliz e bem-sucedido é do meu incentivo e exemplo constantes. ele precisa aprender (sem que a escola precise insistir em formato de apostila para lerdos) a aprender, continuamente. precisa que eu o estimule a fazer perguntas, ser curioso sempre, investigar. precisa aprender disciplina (e nenhuma escola vai ensinar isso melhor do que nós, os pais), para ser livre e poder se indisciplinar o quanto quiser e puder.

obrigada, hipoglós e tv globo, mas meu filho não precisa de 100 mil reais, porque ele tem a nós, ele tem nosso tempo, nossa dedicação, nosso interesse. ele vai ganhar os 100 mil reais que precisar, quando precisar. mesmo que nós fôssemos pobres ele ainda assim não precisaria desse dinheiro, como meus pais e nós 3 nunca precisamos. não seriam 100 mil que mudariam nossa história, pois não é dinheiro na conta que muda a dinâmica de uma família, que forma caráter, valores e motivações de uma criança. e sem isso tudo, 100 mil são simplesmente 100 mil moedas.

todo meu dinheiro vai continuar sendo dedicado a confortos úteis e inúteis, livros, músicas, comida e viagens, muitas viagens. e isso tudo combinado com meu tempo, minha dedicação e exemplo certamente formarão um cidadão com vontade de aprender, com repertório de vida, história e bagagem que nenhum dinheiro consegue comprar.

tenho pena das mamães do programa do hipoglós. espero que elas percebam a tempo que nenhuma promoção de marca alguma no mundo proporciona nada além de ilusão de consumo vazia.

**

PS 1: hipoglós nunca entrou nesta casa, e depois dessa não entrará mesmo; TV globo já não faz parte da nossa vida há muitos anos, e cada novo “evento” confirma a sapiência da nossa decisão.

PS2: a melhor forma de regular o consumo e dar o exemplo para os nossos filhos é não consumir, ou consumir o mínimo necessário. cabe a cada um de nós mudar o mundo.

Categories: educação · maternidade
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a primeira mordida

November 21, 2012 · 5 Comments

o otto começou a frequentar a escola em meados de setembro deste ano e todo um novo mundo de possibilidades e coisas inesperadas se abriu pra nós. desde a escolha da escola até a socialização com outros pais, passando pelo contato com as professoras dele e a iniciação ao mundo das outras-crianças-sem-educação.

**

abre parêntese: sim, as outras, porque as nossas crianças são sempre educadas e maravilhosas, certo? 🙂

ironia à parte, o otto é um menino muito tranquilo e educado no geral. não sei até que ponto o bom comportamento é consequência da educação que tentamos dar pra ele ou simplesmente parte da personalidade, mas fato é que ele não dá trabalho e é muito tranquilo. não é daquelas crianças que gritam, correm, pulam em cima das coisas e pessoas, desobedece os pais, bate em outras crianças. ok, com alguma frequência ele TENTA fazer essas coisas, mas nós sempre corrigimos na hora e o problema acaba aí.

como toda criança, o otto logicamente teve episódios de gritão, chiliquento, mordedor, jogou coisas no chão, e ele enfrenta a gente sempre, periodicamente (que bom!), mas todos os comportamentos que não achamos “socialmente aceitáveis”, corrigimos na hora.

consideramos inaceitável: morder, bater, gritar (qualquer contexto. gritar é irritante), jogar coisas, sair correndo, subir em móveis, pegar objetos que são “proibidos”, não atender quando chamamos, não parar quando mandamos parar. certamente a lista vai aumentar quando ele crescer, mas por enquanto é isso aí.

e como fazemos? simplesmente não aceitamos que ele faça nenhuma dessas coisas sem consequências. quando ele faz, falamos com ele num tom bem bravo (mas sem gritar, que assusta e aí perde o foco), olho no olho, e explicamos que não pode, que não queremos que ele faça X ou Y. quando a questão é física (bater, subir em móveis, pegar coisas que não pode, etc.), além de explicar também seguramos/tiramos dele. sempre damos a opção dele largar ou parar sozinho, antes de segurar/tirar. a maior parte das vezes funciona, e ele prefere “fazer a coisa certa” por conta dele, ao invés de se submeter fisicamente.

sim, algumas vezes ele chora quando damos bronca nele. chora porque tem medo dos pais falando mais “bravos” com ele (e ainda estamos dosando a forma de falar, porque mesmo sem gritar, quando mudamos o tom de voz ele fica com medo), e chora simplesmente porque está frustrado por não conseguir fazer o que quer, do jeito que quer. mas muitas vezes ele já se manifesta verbalmente, e diz que está bravo ou triste, diz que queria fazer as coisas de outro jeito.

oras, é direito dele querer algo diferente do que consideramos aceitável, e procuramos respeitá-lo e acolhê-lo na frustração e tristeza, mas essas coisas continuam sendo não-não. e ponto final.

esse processo é chato, desgastante, cansativo. e dói em nós também, porque nada é mais incômodo do que seu filho triste, bravo, chorando. minto, tem uma coisa mais incômoda: pensar que seu filho pode se tornar um sem noção, mal-educado, que outras pessoas podem não gostar dele por esses motivos. e para que ele se torne uma pessoa que respeita regras de convívio minimamente que ensinamos que há coisas que não se pode fazer, pois machucam e/ou incomodam as outras pessoas.

se no futuro ele deliberadamente quiser ser inconveniente ou agressivo, saberá que há consequências, e terá de lidar com elas. hoje, o referencial dele somos nós, e nós não toleramos gritaria, correria, birra e agressão.

**

fechei o parêntese — pois quando confrontados com o maravilhoso mundo da escola, o mundo real, descobrimos que nem todos os pais são como nós. mais especificamente, descobrimos que há pais que acham que impor limites aos seus filhos é um problema, e atribuem todo tipo de comportamento inadequado e inconveniente à idade, fase, gênero (sim, senhores e senhoras), signo. o motivo nunca é “nós não impomos limites de forma clara”, lógico.

na semana em que o otto entrou na escola, entrou também um menino que agredia as demais crianças. ele bate, morde, puxa cabelo. e o otto não ficou impune: nos primeiros dias levou tapas, e há poucos dias foi mordido 2 vezes (no braço numa semana, na perna na outra).

o fer, que é aquele tipo de paizão superprotetor assumido, ficou uma fera na 1a ocorrência, já queria matar alguém. foi explicado que o menino e a família “estão passando por uma fase complicada…” e que eles estariam mais atentos, e corrigindo o menino durante o período de aula, com uma professora adicional. a correção significa segurar as mãos/o menino e dizer que a mão não pode bater, que a boca não pode morder, lavar a mão com lavanda (…), toda uma abordagem bem suave. e estou de acordo com a abordagem da escola ser assim, especialmente (negrito, maestro zezinho!) porque a responsabilidade de educar e corrigir a criança é dos pais, e não da escola.

mas a escola precisa, sim, garantir que meu filho (e as demais crianças) não serão atacados pelo garoto-pitbull. seja lá qual for a fase (da criança ou da lua) que causa o problema, é preciso proteger as demais crianças de agressões, caramba. e é isso que exigimos, e fomos ouvidos, felizmente.

o que me preocupa é o excesso de explicações e justificativas para comportamentos inaceitáveis (ponto final. seja lá qual for a causa, a ação deve ser reprimida e corrigida), como se devêssemos aliviar ou permitir tais comportamentos porque existe uma causa. ora, trabalhem então nas causas e enquanto isso (mais um negrito, por favor?) ensinem a criança que não pode, não pode, não pode.

alguns amigos bem-intencionados sugeriram ensinar ao otto ficar longe do menino, impedir ou até revidar a agressão. eu certamente vou ensinar o otto a se defender, acho essencial, porém também acho que é muito cedo. ele simplesmente não entende agressão, e menos ainda a intenção de agressão. ele precisa estar um pouco maior pra que possamos explicar o que significa “se defender” em oposição a “atacar”. além disso, a agressão sempre acontece quando não estamos perto, não temos como usar a situação para ensinar. como vou, em casa, horas depois do ocorrido, apelar pra memória dele e ensinar a partir de algo que aconteceu muitas horas atrás? “olha, otto, lembra que fulaninho te mordeu? então, faz assim: na próxima vez que fulaninho chegar perto de você, saia correndo!”. sério que alguém acha que isso funciona?

percebi também que os bem-intencionados que arranjaram desculpas pro menino morder, e disseram que “criança é assim mesmo”, ou que é “da fase” são aqueles cujos filhos/sobrinhos/X são os agressores. é o cúmulo da racionalização. vamos falar às claras: morder e agredir NÃO PODE. não importa sua idade, seu signo, nem a fase da lua. não pode, e é obrigação dos pais ensinar que não pode e impedir que aconteça (exceções são OK; agressão como parte do comportamento normal, não pode), usando seja lá qual método quiser, desde que funcione. dê banho de pipoca, coloque no castigo, fale até a orelha da criança cair (nosso caso), vire-se. seu filho, seu problema.

além disso, parece que ensinar o otto a se defender ou se afastar é OK; ensinar o menino a não morder não dá, porque “é da fase”. olha… me poupem.

sei que aprendi muito com esse episódio. sobre a natureza humana, sobre educação de crianças, sobre o papel da escola e sobre mim mesma. porque sou do tipo de mãe que deixa a criança chafurdar na lama, e creio mesmo que brigas de crianças devem ser resolvidas por elas mesmas. morder, bater, cair, fazem parte da infância. mas quando é a mesma criança que continuamente agride o meu bebê, que é tão bonzinho, vou dizer: dá vontade mesmo é de socar. o pitbull, os pais do pitbull e as professoras que não ficaram atentas.

mas passa, e estou contente com o desenrolar da história. próximo passo: ensinar o otto a usar um taco de baseball*.

(*) JUST KIDDING 😀

Categories: educação · escola

diário do otto: 2 anos e 1+2 meses

November 5, 2012 · 2 Comments

otto,

bebê, esses 2 meses foram tão intensos e cheios de novidades que a mamãe não conseguiu escrever 2 posts, um para cada mês. tá tudo misturado e acumulado, como acho que será daqui pra diante.

você começou na escola, e contei aqui um pouco sobre seu primeiro dia. foi lindo e muito fofo, mas não durou. 10 dias depois, seu pai viajou a trabalho e você começou a dar trabalho para ficar na escola. ficou dengoso e muito grudento comigo, e reclamando de ir pra escola — “não góta da ecólinha!” virou seu mote. nos disseram que é normal, pois quando a novidade vira rotina, a maior parte das crianças já não quer mais mesmo ir. mas insistimos, e seu pai recomeçou sua adaptação… até que você pegou uma gripe e ficou bem caidinho. preferimos manter você em casa até melhorar, e foram mais 10 dias de molho (culminando com uma amigdalite bacteriana bem chata). e logo depois que você ficou doente a mamãe também adoeceu e precisou fazer uma cirurgia (retirada da vesícula), o que acabou causando mudanças e incômodos. mas 5 dias depois a mamãe estava ótima e tudo voltou ao normal — você voltou pra escola e a mamãe pro trabalho.

mas houve uma mudança enorme logo após sua gripe — você começou a dormir a noite toda, sem interrupção para mamar ou trocar fralda! graças ao seu nariz entupido, decidimos parar com o leite (que piora a secreção de muco) e ver o que acontecia, até porque você estava recusando leite quando percebia o que era. e funcionou! agora estamos tentando compensar o leite com queijo e iogurte, estamos progredindo.

você continua comendo bem, porém está numa fase muito chata de ser do contra pra tudo (inclusive pra comer), como contei nesse post. agora temos que deixar você fazer as coisas do seu jeito, ou não oferecer muitas opções, prs que você se sinta no controle da situação e decida sempre que possível. chega a ser muito engraçado, mas tem horas que realmente irrita, pois tudo demora mais e dá trabalho. mas vamos seguindo tentando rir e nos divertir com sua independência e ideiazinhas próprias.

seu vocabulário e articulação melhoraram muito! você continua falando pausadamente, e pensando bem antes de falar, mas cada vez melhor e mais certinho. você usa os tempos verbais corretamente na maior parte das vezes, os plurais, e entende bem alguns opostos (em cima/embaixo, quente/frio, fora/dentro, pesado/leve, etc.). já sabe os nomes de todos seus amiguinhos na escola, das professoras e volta falando sobre eles. “o que você fez hoje na escola, otto?” “brinquei com os amigos e as amigas!” 🙂

você agora é fã de gelatina e de pudim de pão, além das coisas que já gostava. ah, e sorvete de SOCOLÁTI também agrada sempre 🙂

agora vemos você mais comprido que gordinho, com os braços e pernas mais proporcionais, já se parece mesmo um menino e não um bebê. cada dia mais lindo, mais engraçado, interagindo com a gente, inventando brincadeiras (sua preferida atualmente é esconde-esconde, embora você só queira ser achado, e não se esconder :)) e falando coisas malucas da sua cabecinha. estamos amando essa fase, mais que todas as outras, e tenho certeza que teremos saudade dessa sua idade.

apesar de você estar se tornando um menino, e se comportar como um mini-adulto, ainda é meu bebê e dorme abraçadinho, pede colo e procura a mamãe quando está com medo, triste ou quer um beijo. é impossível não ficar besta de paixão e amar você mais e mais a cada dia.

por mais que seja difícil e chata essa sua fase de dizer não pra tudo e querer fazer tudo sozinho, é motivo também de muito orgulho e alegria perceber você entendendo que é um indivíduo e procurando seu espaço. tudo o que mais quero é que você seja um menino (e um adulto) feliz, independente, dono do seu nariz. que saiba que pode contar conosco sempre, mas que também saiba que queremos que você encontre seu caminho, sua forma de viver.

aqui tem fotos dos seus 25 meses, e aqui dos 26 meses. divirta-se, meu amor!

te amo muito, um beijo da mamãe.

Categories: diário · doenças da infância · educação
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o que vive na escuridão

October 2, 2012 · 8 Comments

acho muito bonita essa interpretação astrológica para o mito da hidra, um dos trabalhos de hércules. embora não esteja certa que a hidra foi enfraquecida pela simples exposição à luz (como menciona a interpretação astrológica), essa versão vai ao encontro da minha argumentação, e vou usá-la 🙂

aviso: não sou psicóloga, aliás, não sou especialista em nada, então por favor sempre me leiam considerando que são somente minhas opiniões, baseadas no que sei e vivi. isso não é um tratado, é somente uma reflexão pessoal.

a hidra é um monstro venenoso, horrível e mortal, que se esconde no pântano, na lama, na escuridão. fica submerso, tornando ainda mais difícil vê-lo e obviamente matá-lo. a estratégia do herói é a de trazer o monstro à luz do sol, fora do seu ambiente tenebroso, cortando uma cabeça de cada vez e cauterizando cada corte, evitando assim que as cabeças tornem a crescer. e ao expô-lo à luz, sua última cabeça torna-se fraca o suficiente para ser possível neutralizá-la. (curioso que parece que essa última cabeça não é exterminada, mas enterrada)

é impossível pra mim não fazer um paralelo entre a hidra e o inconsciente. não que eu veja nosso inconsciente todo exatamente como um monstro, mas penso que tudo aquilo que desconhecemos, o que habita nosso pântano, pode se tornar um problema sem solução até que consigamos trazer o monstro à luz. se vamos matá-lo ou se ele vai se revelar nada mais que um coelhinho da páscoa é outra história…

suponho que nosso pântano seja cheinho de “montros”, e não tenho certeza que do que faz com que eles saiam de lá e venham nos enfrentar à luz do dia. não sei inclusive se eles saem por si próprios ou se nós os arrancamos de lá, na marra, quando fica impossível viver com eles nos assombrando.

há muitos anos venho escrevendo no meu blog pessoal sobre a famigerada tpm, e a apelidei de “maré baixa” lá em 2002. o que acontece na maré baixa, já viram? quem é de praia sabe bem como é — tudo que ficou preso no fundo do lodo, da areia, se expõe. e nem sempre é bonito de ver, porque aparece lixo, coisa podre, bicho morto, e a lama ao sol, gente, fede. tudo aquilo que fica escondidinho quando a maré está cheia, parecendo que está tudo bem e lindo e cheiroso, vira o horror na maré baixa. daí minha metáfora — o problema não é a tpm, ela é apenas a maré baixa; o problema é o lixo que acumulou, o peixe morreu preso ali, etc. e quando baixa a maré, é hora de limpar, arrumar, organizar, pra que na próxima vez o estrago seja mínimo.

pois eu, que achava que os problemas com a maré baixa estavam resolvidos definitivamente após essa minha “descoberta” (mantenha a “casa” limpa e organizada e a crise na tpm é mínima. funciona!), me deparei com uma forma muito mais intensa e dramática de descobrir hidras muito bem acondicionadas nos seus devidos pântanos — a maternidade.

esses monstros que vêem à tona quando nos tornamos pais/mães são geralmente idosos e cascudos, nasceram lá quando nós éramos crianças, adolescentes e ficaram quietinhos, não nos atrapalhavam a ponto de termos necessidade de arrastá-los para a luz e matá-los. quando deixamos de ser filhos somente e nos tornamos pais, alguns destes monstros acordam e se manifestam de forma inconveniente, irritante e — o pior dos piores — como repetição de histórias que odiamos e queríamos esquecer para sempre.

é no meio de uma crise de birra e choro do seu filho que você vai escutar saindo da sua boca — para espanto absoluto seu, inclusive — a frase, aos gritos, “pára de chorar, que não tem motivo nenhum pra você estar chorando!”. ou (com sorte) vai perceber que acaba de dizer pro seu filho que esse jeito que você acaba de ensiná-lo a, digamos, desenhar uma bola, é o CERTO.

certo versus errado; repressão de sentimentos; relação com comida, afeto, animais, idosos, deficientes, pretos; — quer continuar a lista?

não sei dizer quantas coisas eu me vejo dizendo, fazendo ou mostrando para o otto que revelam MUITO sobre mim mesma, sobre como fui criada, sobre todas as limitações e restrições da educação que recebi. às vezes me vejo como se estivesse de fora, e me assusto. todo dia, toda hora é uma surpresa. sabe aquela música dos 80’s, “eu realmente não sabia que eu pensava assim”? pois é. eu não sabia que pensava e sentia muita coisa. estou revendo minha própria educação, modelos, valores passar bem na frente dos meus olhos quando procuro meu próprio caminho para educar o otto.

e esse filme, apesar do roteiro legalzinho ;), nem sempre é bonito.

conhecer-se é fundamental para ser feliz, e também para ser um bom educador. ou pelo menos o melhor educador que você puder ser. porque erros serão cometidos, é inevitável. mas buscar o acerto, e a melhoria de si mesmo, continuamente, é essencial.

mais do que simplesmente “acertar” com meu filho, quero ser a melhor mãe que ele pode ter, e pra isso preciso me tornar melhor sempre, a cada dia. me conhecer, rever, mudar. preciso primeiro perceber que as hidras existem, expô-las à luz e acabar com elas.

até que venha a próxima. ser pai, e mãe, é ser herói de si mesmo, e esse trabalho — diferente do caso do hércules — não tem fim.

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o 1o dia na escola

September 24, 2012 · 15 Comments

decidimos desde que o otto nasceu que ele ficaria em casa, com a babá, até completar 2 anos. a decisão foi tomada junto com o pediatra, que nos aconselhou a evitar escola antes dessa idade principalmente porque o sistema imunológico do bebê não está completamente desenvolvido até os 24 meses e a incidência de doenças é muito grande, dando um trabalho danado para os pais (lembre que a maior parte das escolas e creches não aceitam crianças doentes, elas precisam ficar em casa quando estão com febre, por exemplo).

mas só pra esclarecer: nós somos adeptos da filosofia de que a exposição aos germes é importante para a saúde, deixamos o menino lamber o chão, beijar o cachorro, comer terra, enfim. nossa decisão tinha mais a ver com comodidade que qualquer outra coisa.

além disso, a maior parte das crianças toma iniciativas de socialização com outras crianças por volta de 2 anos somente. antes disso, elas brincam fisicamente juntas, mas cada uma no seu próprio mundinho, sem de fato socializar. ou seja — ele não estaria perdendo muita coisa nesse aspecto.

chegando perto dos 2 anos, percebemos que o otto começou a se interessar mais por outras crianças, e principalmente que estava ficando mimado demais (tudo é dele, não aceita ser contrariado, etc,.). sabemos que faz parte da idade, e sendo filho único fica complicado não dar atenção excessiva e mimar. mas ficar o dia todo com uma babá que é praticamente avó dele (faz tudo que ele quer e mais um pouco) estava nos preocupando. somos bastante rígidos com ele (ou pelo menos tentamos!) e temos horror de crianças mimadas. colocá-lo na escola logo que completasse 2 anos era essencial pra nós.

depois de uma pequena pesquisa na cidade (moramos em vinhedo), optamos por uma escola waldorf. vimos opções construtivistas também, que achamos interessantes, mas além da abordagem pedagógica (da qual falo daqui a pouco), o que mais nos encantou na escola que escolhemos foi o espaço físico, com poucas crianças e o menu de almoço. a escola é uma pequena chácara, com 2 turmas somente (maternal e jardim) e 1/2 período. muito espaço verde, todos os brinquedos de madeira e pano (materiais naturais) e um cardápio orgânico muito próximo da forma como alimentamos o otto em casa até o momento: nada industrializado no dia a dia, sem temperos excessivos, sem açúcar e doces. muitas frutas, comidas preparadas em casa.

novamente, não somos radicais-odara. o otto come pipoca, feijoada, bolo, chocolate, já comeu salsicha e linguiça, mortadela, enfim. mas nada disso é regra, é sempre exceção. no dia a dia, ele come arroz, feijão, proteínas variadas na semana (frango e ovo só orgânico), verduras e legumes orgânicos na sua maoria (quando não tem também não estressamos, come o que tem), sem sal e sem açúcar, pouco tempero, muitas frutas e de vez em quando bolo simples feito em casa. ele não come “sobremesa”, somente frutas depois das refeições, não come frituras e nem embutidos. suco só damos de laranja natural (feito na hora) e de uva orgânico (ele nem gosta tanto assim de suco, na verdade). mas quando comemos fora damos batata frita, bolo. o que nunca demos e não pretendemos dar antes que ele seja bem maior é refrigerante (tratamos como bebida alcoólica — é de adulto e ponto final) e balas/pirulitos. de resto, é isso: fazemos o melhor no dia a dia, e concedemos exceções sem problema.

voltando à escola: a alimentação segue os mesmos princípios que nós seguimos, com a vantagem de colocá-lo pra comer na mesa, junto aos coleguinhas (seja o que zeus quiser quando ele começar a almoçar lá… a bagunça vai ser épica). uma das coisas que nos animou quanto ao sistema waldorf foi que eles não têm “aulas” para crianças até os 6 anos completos. eles não ensinam letras, números, absolutamente nada que se pareça com alfabetização ou coisa assim. as crianças aprendem atividades manuais e criativas somente, são livres para brincar e desenvolver outras habilidades tais como pintar, cantar, tocar instrumentos, desenhar e até cozinhar.

quem tem a expectativa de ver seu prodígio fazendo contas e lendo antes dos 7 anos não deve ficar muito contente com a abordagem, mas pra nós ela pareceu perfeita. somos muito mentais, eu e o fer. fomos alfabetizados muito cedo, somos ambos excelentes em matemática e sempre estivemos entre os primeiros das nossas turmas. valorizamos bastante o intelecto, e exatamente por isso achamos que precisamos balancear de alguma forma esse nosso modus operandi inconsciente para com nosso filho. é natural que o otto aos 2 anos conte até 40 (e aumentando a cada semana…) e já saiba todas as letras do alfabeto. isso aconteceu sem que a gente percebesse, mas certamente tem influência nossa, mesmo que inconsciente.

sabemos que nosso filho não é um gênio (esses são gênios, vejam os números 8 e 9. o número 8 aos 2 anos fazia operações algébricas…), ele simplesmente responde ao ambiente em que vive. queremos que ele tenha oportunidade também de ser exposto e experimentar coisas que nós não oferecemos de forma natural (aquarela, e outras atividades criativas) simplesmente porque somos quem somos. nós vamos querer ensinar o otto a andar de bicicleta, plantar, cozinhar, ver filmes, ler livros e gibis, fazer contas e jogar jogos. são as coisas que nós gostamos de fazer, nossa zona de conforto.

não sabemos ainda se essa pedagogia vai nos deixar confortáveis depois dos 6 anos. pretendemos visitar as opções de escolas waldorf na região para crianças maiores, e então decidir. mas por enquanto estamos confiantes que essa é a melhor opção pra ele, que já se mostra um menino bastante organizado e um tanto perfeccionista (impressionante como isso já se manifesta aos 2 anos!).

**

é claro que estávamos tensos com sua primeira experiência na escola. ele sempre foi muito mimado e protegido, não só por ser filho único mas porque nasceu numa circunstância muito preocupante. ainda há o fantasma de possíveis seqüelas do parto (por mais que os pediatras que consultamos tenham nos assegurado que tudo está indo muito bem), qualquer bobagem que todo mundo diz que é normal, como ele começar a falar somente aos 20 meses, nos preocupa.

e existem as outras crianças do mundo, aquelas que podem morder, bater ou simplesmente chatear nosso filhinho querido. ele vai chorar? vai sofrer? como podemos poupá-lo, afinal?

não sou uma mãe diferente das outras, é claro que me preocupo com meu filho. mataria e morreria por ele. mas quando me comparo ao pai dele, percebo que não sou superprotetora, e que desejo com certa ansiedade que ele comece a enfrentar dificuldades típicas de tornar-se um ser humano: confrontar diferenças, lidar com a frustração, aprender a dividir, aprender a defender-se, entender que o mundo não gira em torno dele, aprender a negociar e lidar com o outro.

por mais que eu vá sofrer quando ele sofrer (é inevitável. não é possível ser mãe e não se doer pela dor do seu filho), estou absolutamente certa que enfrentar frustrações e dificuldades o quanto antes fará dele um adulto melhor, vai ajudá-lo a lidar melhor com as adversidades para o resto da vida. minha missão como mãe é prepará-lo para ser um adulto independente, que sabe ultrapassar obstáculos porque tem confiança em si mesmo e sabe que é sempre possível tentar de novo, mudar, adaptar-se. se conseguir isso, considero minha missão como mãe e educadora cumprida.

e parte dessa missão é deixá-lo responder do jeito dele às barreiras e desafios. orientando e acolhendo, sempre, mas sem sufocá-lo ou protegê-lo da realidade.

e foi com esse espírito que no 5o dia da adaptação na escolinha eu coloquei ele no chão, ajeitei a mochilinha nas suas costinhas pequenas e deixei andar SHOJINHO (sozinho, como ele pediu, e eu respeitei) até sua professora. lá dentro, eu o convenci a guardar a mochila e entrar na sala (ele queria ir para o quintal, claro), avisei que iria trabalhar e que ele ficaria lá com os amiguinhos e as professoras. e ele me deu um beijo contrariado (não por eu ir embora, mas por ele não poder ir para onde queria) e saiu andando, sem nem olhar pra trás.

tive tanto orgulho dele! e tive orgulho também de mim, porque não sofri nem um pouco e fui muito feliz naqueles instantes de demonstração da independência dele. tive toda a certeza de que sou e serei uma boa mãe, que não sufocarei meu filho e nem terei crises de depressão no dia em que ele for viver sua vida independente da minha.

foi só um instante, um beijo e um tchau, mas foi também a projeção de um futuro possível e totalmente coerente com tudo que acredito. que ser mãe não é padecer no paraíso, nem sofrer. ser mãe é contribuir para um mundo melhor através da criação de pessoas cada vez melhores, mais felizes, confiantes e independentes.

vá ser feliz, chorar, sofrer e descobrir as maravilhas do mundo, meu filho querido. não estarei sempre do seu lado fisicamente, mas estarei sempre junto cada vez que você virar as costas e andar sem mim, pois minha missão foi muito bem cumprida se você simplesmente souber que é capaz de tudo que quiser.

PS 1: a propósito, hoje cedo deixei ele de novo na escolinha e fui embora (desta vez ele fica a manhã toda). novamente ele fez questão de usar a mochila ele mesmo, mas me deu a mão para entrar. entrou sozinho, me deixou ajudar com a mochila e me deu um beijão e um sorriso de tchau, antes de ir cuidar da sua vidinha.

PS 2: ele agora não pode entrar no carro que quer ir para a “ecolinha”. voltou ontem da escola sorrindo e repetindo o caminho todo “tá feliz! tá feliz!”. como não ser feliz junto?

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o problema dos universais

September 4, 2012 · Leave a Comment

pratico ioga desde 2002, mas não me tornei daquelas pessoas que falam “iôga” e namastê pra todo mundo, nem pratico em casa (disciplina zero). gosto da prática física (especialmente a que faço atualmente, que é de permanência, muito alongamento e meditação) e do resultado mental de limpeza e tranquilidade. comecei por recomendação de terapia, me apaixonei e pretendo nunca parar.

meu professor atual é um amor, orienta cada aluno individualmente na prática e tem uma especial preocupação com o alinhamento entre corpo e mente. ele repete alguns bordões que parecem bobagem, mas são extremamente profundos (aliás, impressionante como coisas que parecem básicas tocam muitas vezes no cerne das questões fundamentais da vida): “só existe o aqui, e agora. somente no agora é possível ser feliz e pleno”; “você não é seu corpo, mas a consciência que percebe o corpo”; “não julgue as sensações, apenas observe, sinta, como um expectador de si mesmo”; “não lute contra os pensamentos intrusivos, deixe que eles apenas passem, não se apegue”; “não ceda aos apelos do corpo, sua mente pode controlar os impulsos de buscar novamente o conforto”. gosto em especial de uma frase que ele usa muito nos momentos “tensos” da prática (pois ficamos na mesma postura muito tempo, é bem difícil sustentar) — “não se identifique com as sensações físicas, apenas sinta, sem julgar”.

ele fala especificamente da dor muscular de permanecer na mesma posição, mas é impressionante como isso se aplica a qualquer sensação e também a emoções. a nossa necessidade de racionalizar, interpretar e enquadrar sensações e emoções é impressionante. e é por isso que escolhi escrever esse post neste blog — ensinamos os bebês/crianças a  fazer isso, sem perceber, desde muito cedo.

percebi isso um dia observando o otto comer com a babá. ele estava com um pratinho de salada, comendo, e pegou uma beterraba (cozida mas geladinha), colocou na boca e falou (de bocão cheio): “gelado”. a babá imediatamente falou “ah, ele não gosta quando está gelado, tá vendo? sempre reclama!”. e eu imediatamente a corrigi — ele não reclamou, nem cuspiu, nem recusou, ele só fez uma observação sobre a temperatura do alimento. aliás, essa fase que ele está, comenta sobre tudo, especialmente os contrastes: descendo/subindo, quente/frio, embaixo/em cima, etc.

o bebê não julga os próprios sentimentos ou sensações, ele aprende a julgá-los porque nós damos nomes, limites, parâmetros e ensinamos o que é bom/mau. quem disse que comida gelada é ruim/bom? por que sorvete pode ser gelado e feijão não? a própria dor pode ser interpretada de várias formas (falei disso quando estava na 38a semana de gravidez, ainda citando a ioga), e não é em si ruim. o nosso instinto de evitar a dor é simplesmente um mecanismo de defesa, adaptação evolutiva importantíssima.

sei que é impossível evitar a categorização e a transformação de conceitos em palavras, até para que a comunicação se viabilize, mas acho essencial estar atento (especialmente durante a criação de crianças) ao julgamento excessivo ou à transferência da nossa própria identificação sentimento/emoção <> razão para a criança. procurar ouvir mais que falar e estimular o aparecimento de ideias e interpretações “limpas” ao invés de dar respostas prontas talvez seja o primeiro passo 🙂

uma das coisas mais difíceis e interessantes de tornar-se pai/mãe/tutor é se liberar (ou pelo menos tentar…) dos próprios preconceitos e julgamentos, pra proporcionar um ambiente mais propício para criar pessoinhas que pensem por si próprias, ao invés de repetir modelos familiares. na medida do possível, sabendo que a grande barreira são meus próprios limites, quero dar ao meu filho liberdade de pensamento e escolha, e influenciar o mínimo possível sua concepção sobre o mundo.

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quando queres o sim e o não, talvez

August 31, 2012 · 15 Comments

uma leitora generosa desse blog deixou um link nos comentários deste post sobre como conversar com crianças que fala sobre dizer não. acho que vale compartilhar um pouco da minha experiência, pois decidi conscientemente como lidar com a questão, e até o momento fui bem-sucedida.

não sou dessas mães que são contra dizer não para crianças. já vi mães que não falam a palavra não (sei lá porque… dá azar? traumatiza? :)), e acho bem estranho. poxa, receber nãos é parte da vida!

mas concordo com o seguinte: fica complicado (e chato) quando você fala não o tempo todo, pra tudo. quando a criança começa a se movimentar e explorar, se não houver um mínimo de liberdade no ambiente onde ela fica e TUDO é proibido, a vida vai ser uma sucessão de nãos, o que é muito frustrante. crianças precisam de ambientes que possam ser explorados, experimentados com o corpo todo (a boca inclusive). você não precisa deixar sua casa inteira disponível para a criança, mas alguma área disponível precisa existir, para que ela faça o que foi programada pra fazer nesta fase (sem obstáculos frequentes): explorar.

ou seja — a criança precisa ouvir sim também, combinado com os nãos. até pra perceber a diferença, e aprender como funciona quero/não quero, pode/não pode. li em algum lugar que é bom balancear esses sim/não, de forma que um não fique muito mais frequente que o outro. falar sim demais pode criar situações de perigo ou tornar seu filho uma daquelas crianças sem limite que todos detestam; falar não demais pode deixar a criança intimidada e contrariada, e os 2 comportamentos são muito difíceis de lidar.

como equilibrar?

o ambiente

em casa, adaptamos algumas coisas principalmente para evitar perigos graves (cantos de vidro, tomadas, objetos pesados que poderiam cair em cima do bebê, etc.) e para evitar quebrar coisas que não podem ser repostas ou são caras demais (enfeites, eletrônicos mais delicados).

a casa ficou quase a mesma, mas não dá pra disfarçar que uma criança mora lá (nossa morada não é mais capa da casa claudia… :D), sempre tem um brinquedo, coisas espalhadas e alguns protetores de canto de mesa. ou seja — na medida do possível pra nós, cedemos para poder falar mais sim que não.

mas lembre que falar o sim é importante: observe a criança explorar e incentive a exploração de coisas que podem ser exploradas. dessa forma, quando você precisar dizer não, pode sempre contrapor ao sim. por exemplo: “o dvd player não pode pegar, otto, por que você não brinca com as caixas de dvd, que estão aqui?”

nós acabamos cedendo com algumas coisas que talvez não devêssemos, porque achamos graça e depois ficou muito difícil de mudar. o otto não engatinhava, ele “minhocava”. temos torres de cds na sala, e não tiramos. ele aprendeu a tirar os cds de dentro, e espalhar no chão. achamos super bonitinho ele tirando os cds com os dedinhos, e deixamos. só que ele cresceu, e começou a tirar mais e mais cds, espalhar no chão, abrir, destruir as caixas, e por aí vai. aí, aquilo que antes era permitido virou proibido, e foi muito chato ensinar pra ele a não estragar, na brincadeira. cds foram perdidos no processo, nos estressamos, ele chorou. penso que teria sido melhor já evitar a brincadeira no início, mesmo que inofensiva, pensando no futuro. mas pais de primeira viagem são assim mesmo 🙂

entenda como a criança funciona

a maior parte dos conflitos com crianças nesta idade (1 a 4 anos) é relacionada à necessidade de afirmar-se como um individuozinho independente 🙂 segundo o que tenho lido sobre desenvolvimento de crianças, isso é parte do crescimento e desenvolvimento cerebral — é sinal que a criança está se desenvolvendo como devia. está aprendendo a ser um ser separado, independente, e precisa se afirmar nesta condição.

quando os pais ou cuidadores não dão algum espaço para que a criança ocupe, a convivência pode ser muito desgastante. pense que a criança é completamente sujeita às regras e ideias de uma família que já existia, de adultos que já têm feito as coisas “do seu jeito” por muitos anos, e esperam que a criança simplesmente se adeque. só que ela vem programada para confrontar, testar e “ser ela mesma” (de preferência ao contrário do que é proposto :)).

o que fazer? criar aberturas para que a criança possa fazer as coisas do jeito dela de vez em quando. obviamente isso demanda um pouco de neurônios da sua parte — como dar à criança opções sem transformar sua vida num inferno ou criar um monstro? o que eu fiz foi dar opções em situações simples, tais como oferecer opções de roupa/sapato (viáveis, pra não me infernizar. não ofereça a fantasia de batman se não é uma possibilidade), oferecer sempre várias opções de comida na refeição (se tiver vários vegetais diferentes como opção, se a criança não quiser 1 ou 2 deles, tá tudo OK. e tem que variar sempre, pra não “viciar” a escolha).

outra coisa útil é oferecer opções no caso do não. o otto por exemplo não pode ficar de pé na banheira, durante o banho (escorrega). todo dia (sem exceção) ele tenta ficar de pé, ou fica de fato. ele sabe que não pode, porque já expliquei que ficar de pé é perigoso, e escorrega (ele já escorregou, quase caiu, ficou com medo e continua instindo, porque faz parte da idade, oras). fiz 2 coisas — avisei que se ele insistir em ficar de pé o banho acaba (e cumpro a promessa, já tirei do banho várias vezes depois de ter acabado de entrar) e disse que ele pode ficar sentado (o “normal”, que a gente espera) ou pode ficar de joelhos. ficar de joelhos é uma concessão, um compromisso entre o que eu quero (sentado) e o que ele quer (de pé). dou a ele as opções, e ele normalmente prefere (adivinhem?) “de joelhinho”. ele fica de pé, eu já aviso “otto, como é o combinado? aqui no banho, só sentado ou de joelhos. senão, acaba o banho. quer sair do banho?”. depois dessa conversa o mais normal é ele sentar ou ajoelhar, e afirmar a escolha — ele fala “sentado” ou “joelhinho”, olhando pra mim com aquele tom de que ELE optou. e quando preciso tirar ele do banho, ele já não chora, só fala “mamãe avisou!”. ou seja, ele sabe as regras, testou e entendeu as consequências.

procuro pensar em opções sempre, em todas as situações, pra evitar obrigá-lo a alguma coisa. na hora de comer eu acho o mais complicado, porque não é possível realmente obrigar ninguém a comer. isso não é problema aqui em casa e acho que temos a sorte dele ter ótimo apetite e gostar de comer, mas também acho que darmos várias opções e respeitar quando ele não quer faz diferença. ele avisa quando não quer (não insistimos) e paramos quando ele diz que está satisfeito (“feito!”, indicando com a mão que acabou). quando ele não falava, simplesmente respeitávamos quando ele cuspia. e percebi que às vezes deixava de lado as coisas que ele não queria comer, e quando eu menos esperava ele mesmo pegava com as mãos e comia, sem ninguém dar. ou seja — quando ele teve espaço pra escolher e comer sozinho, ele comeu.

também destaco algumas ocasiões que ele simplesmente se recusava a comer (entre 1 ano e 1 ano e meio), e eu tive uma intuição de que ele queria comer sozinho, deixei. funcionou muito bem — deixá-lo tentar (com as mãos e com talheres) foi a solução. várias vezes ele só comeu depois que deixamos que ele fizesse tudo sozinho. depois misturamos, deixamos uma parte do prato pra ele comer, e outra a gente vai oferecendo. essa é a melhor combinação, porque conseguimos controlar mais ou menos o que e quanto come, mas ao mesmo tempo ele se sente no controle da situação.

suponho que com roupas seja mais ou menos igual. acostumamos a escolher tudo, e sempre pensei que a criança só escolhe roupas e sapatos bem maior. a verdade é que com menos de 2 anos a criança já quer fazer suas escolhas, colocar roupas e sapatos sozinhos, e quanto mais pudermos deixar escolher, melhor. sempre orientando e ensinando, mas deixando que eles sejam independentes. o otto gosta de colocar as crocs dele sozinho. ao invés de insistir em colocar eu mesma (que é muito mais rápido e prático), deixo ele tentar, mostro como é o jeito certo e observo, corrijo. aquela tarefa que você faz em 3 segundos, ele demora 3 minutos. é chato esperar, e às vezes estamos com pressa (é a hora de não dar opção, claro), mas sempre que possível, deixe. lembre que colocar sapatos nos pés certos, sozinho, é um grande empreendimento pra um bebê, é um aprendizado que ele vai levar pra vida depois, sem nem saber.

e é disso que trata criar crianças — ensinar tudo o que no futuro nem sabemos como aprendemos. um dos grandes aprendizados (e fonte de grande fascínio) de tornar-se pai e mãe é descobrir o quanto é complexo aprender todas as coisas simples e inconscientes que fazemos quando adultos.

ensinando o não de verdade: eles também devem poder usar!

não acho que crianças devam ser tratadas como adultos, pois afinal não têm o mesmo repertório e nem entendem todas as regras de convívio. mas também acho que precisamos aproveitar toda oportunidade para ensiná-las como funciona o mundo “dos adultos”, e aprender sobre “não” é um ótimo exemplo.

para que a criança entenda de verdade como funciona o sim/não, é essencial que ela também possa exercitar e praticar. ou seja — é preciso dar espaço para que ela diga SIM e NÃO. quando começar a fase de você ter que dizer não para a criança, ensine que isso é uma “ferramenta” que ela também pode usar. por incrível que pareça, isso ajuda muito no processo como um todo e também vai ajudar você a entender o que seu filho gosta e não gosta. isso funciona também porque dá à criança a sensação boa de ter algum controle sobre si mesma, que é exatamente o que ela vai querer a partir de 1 ano mais ou menos.

falei um pouco sobre isso no bloco anterior, mas aqui quero contar sobre uma prática que com o otto funcionou bem demais: ensiná-los a expressar frustração e dizer “não” (mesmo sem falar!)

percebi quando o otto estava com menos de 1 ano (10, 11 meses) que ele dava chilique quando contrariado. foi inclusive o motivo de ter começado a ler o livro sobre essa idade, porque se tem coisa que sempre detestei é criança que dá escândalo. e o otto dava — nem andava ainda e já se jogava, gritava, uma coisa histérica.

o que melhor funcionou pra ele (entre outras coisas combinadas) foi ensinar a se comunicar de outra forma que não o chilique. pense no seguinte — o chilique funciona! comunica perfeitamente bem que ele está contrariado, e aciona todos os adultos ao redor a fazer o que ele quer (a gente acaba fazendo qualquer coisa pra aplacar chilique, principalmente em público). ou seja: corrija os chiliques em casa, mude o modus operandi, porque na rua são muito difíceis de corrigir. uma vez corrigido o problema em casa, provavelmente não vai acontecer na rua.

então, a primeira coisa que ensinamos foi como se comportar quando estiver contrariado. ensinamos 2 coisas: a dizer não com o dedinho (ele não falava nada) e a “dar bronca” quando estivesse bravo — ele aprendeu a apontar o dedinho em riste pra gente, balançando, e grunhindo, com cara de bravo 🙂

pode parecer bobo (e é super engraçado, mas não pode rir, tá?), mas funciona se você reagir da forma correta a cada estímulo. o que “combinamos” com ele depois de ensinar o não/bravo: os chiliques não vão funcionar. a gente só vai responder ao dedinho/bravo. chiliques vão ser ignorados. e assim fizemos — ensinamos, ele aprendeu e repetiu. cada vez que ele começava com chilique, a gente falava “enquanto você não parar de gritar e espernear, não vamos fazer nada”. tem que ter paciência, pois nas 1as vezes ele demorava a perceber que não ia funcionar, e depois de um tempão “testava” a outra forma de comunicação. quando ele tentava, a gente respondia imediatamente e incentivava, elogiava. em pouquíssimo tempo ele entendeu e mudou o jeito de se manifestar. crianças são extremamente perceptivas, espertas e adaptáveis. elas vêm preparadas para aprender e se adaptar ao que funciona. se o chilique funcionar, amigos, ferrou.

uma das coisas mais importantes deste processo é que a criança, além de aprender como se comunicar de forma eficiente, tem a sensação de ser compreendida. sentir-se entendido nesta fase de comunicação precária (até que eles dominem o verbo) é um calmante natural. parece mágica — basta que a criança perceba que entendemos o que ela precisa e se acalma. quando ela consegue também “ganhar” um combate (fazendo o que “quer”), tanto melhor.

o desafio é ensinar isso tudo a uma criança tão pequena, dar alguma liberdade (para criar um ser humano confiante e que toma decisões!) e ao mesmo tempo incentivar comportamentos que sejam socialmente aceitos. não é fácil, mas tenho achado muito estimulante. além de me fazer pensar sobre mim mesma (*).

**

(*) este é assunto pra outro post longo, mas dou uma palhinha: preste atenção ao quanto da sua frustração e dificuldade em lidar com a criança tem a ver com problemas SEUS (perfeccionismo, ideias “fixas” sobre o que é certo e errado, réplica inconsciente da educação que você mesmo recebeu na infância). ser pai/mãe é ter que se confrontar com todos os seus fantasmas, acredite.

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conversando com crianças

August 27, 2012 · 5 Comments

escrevi um post bem completo sobre feedback em geral, mas achei importante escrever aqui especificamente sobre como dar feedback para crianças, pois creio que a forma como fazemos isso durante a primeira infância faz uma diferença enorme para o resto da vida. receber críticas faz parte do processo de aprendizado e crescimento, acho impossível educar alguém sem pontuar comportamentos inadequados. mas se nem nós, adultos, que já aprendemos a racionalizar o mundo, ficamos neutros à crítica, por mais que ela seja bem explicada e legítima, como as crianças lidam com isso?

[acho que é  importante mencionar neste ponto que sou contra punições físicas. fui uma criança que apanhou (de chinelo) e não tenho nenhum trauma (pelo menos que tenha aparecido até hoje, mesmo depois da terapia :D). confesso que os sermões da minha mãe me afetaram (e afetam) mais que as chineladas. mas sou contra, sim, porque acho covardia bater em quem não pode se defender, é bem simples. bater é um recurso que descarrega a raiva e frustração dos pais, que gera medo na criança (o comportamento se altera por medo de apanhar de novo) e que não se preocupa em entender de onde vem o problema. porque, afinal, se você vai se dar ao trabalho de entender o porquê do comportamento inadequado, bater na criança acaba sendo desnecessário. além disso, se apanhar resolvesse mesmo toda criança que apanha seria um amor.]

antes de mais nada, então, uma constatação que pra mim foi novidade: crianças não são boas com racionalização. isso não quer dizer que elas não pensam e não entendem o que se passa ao seu redor; quer apenas dizer que elas não dominam a técnica de compreender e mapear o mundo através das lentes da razão, pois isso é aprendido e dominado com o tempo e o uso. crianças são serem emocionais, simplesmente porque é desta forma que seu cérebro funciona nesta fase (mais direito, menos esquerdo). este livro que gosto muito (e me ajudou com o otto desde pouco antes de 1 ano) fala bastante sobre isso, ensinando técnicas para lidar com crianças de 1 a 4 anos de forma simples e sem grandes dramas e punições.

a maior parte do mundo dos adultos supervaloriza a racionalização. tudo é explicado, dissecado, provado e analisado. não que eu seja anti iluminista, mas creio que perdemos quando valorizamos demais o racional em detrimento do emocional, esquecemos que somos compostos de razão e emoção e valorizamos mais a primeira que a segunda. e as crianças, predominantemente emocionais na primeira infância, perdem mais ainda. sem perceber, muitos pais e tutores ensinam suas crianças que existem sentimentos “bons” e “maus”. que sentir raiva, medo, inveja, ciúme, cobiça é errado e deve ser evitado. nem digo escondido, porque esconder pressupõe aceitar a existência. somos ensinados a suprimir, temer e ter vergonha dos sentimentos “negativos”. mas como fazer isso? não sentir os sentimentos negativos seria como deixar de respirar! então aprendemos a negar e principalmente disfarçar sentimentos “inaceitáveis”, travestindo-os de outra coisa.

para ilustrar esse texto, vou usar uma história minha que acredito ser perfeita para demonstrar todo o assunto, e que me rendeu vários insights na terapia. eu tinha 10 anos, mais ou menos, era natal. nos meses anteriores, criei uma expectativa de ganhar de presente da minha avó materna um par de patins. eu amava patins, era início dos anos 80, calculem. sonhei muito com os tais patins, e na noite de natal finalmente eles chegaram. o problema é que quando abri o presente, me deparei com patins de plástico, bem vabagundos e obviamente diferentes dos que tinha idealizado. não sei dizer se falei alguma coisa, ou se fiz cara de decepção, mas certamente demonstrei meu desagrado. só me lembro bem claramente da minha mãe me chamando no canto, e me dando a maior bronca do mundo, pois minha decepção tinha chateado a minha avó, coitada, que era muito pobre e tinha se sacrificado pra comprar aqueles patins que eu tinha desprezado. lembro que chorei muito, e me senti a última das criaturas, uma sem coração e sem consideração, mimada.

esse é só um exemplo, tenho muitos outros parecidos da minha infância. quando criança, fui ensinada a obedecer sem questionar, fazer o que me mandavam e aceitar o que me dessem, sem reclamar. só quando me tornei adolescente é que meus pais me deram espaço para o questionamento e tomada de decisão (fiz minha primeira tatuagem com 15 anos, com aprovação de ambos!). logo que comecei a dominar a racionalização me convenci de que tinham razão de ser tão rígidos, que assim eu não me tornaria uma mulher mimada e sem noção, aprenderia o valor das coisas e a respeitar os outros. é verdade que aprendi a respeitar os outros, e não sou nem um pouco mimada, mas tem um pequeno detalhe — não aprendi a respeitar a mim mesma, expressar meus sentimentos nem a impor limites. e estes são atributos fundamentais para qualquer adulto ser minimamente feliz convivendo com outros.

e onde foi que minha mãe errou nessa história? vamos supor que eu tenha deixado claro (verbalmente ou não) para minha avó que estava decepcionada com o presente. o que ela devia ter feito?

em primeiro lugar, devia ao menos tentar colocar-se no meu lugar e tentar ver a situação através dos meus olhos de 10 anos (mas vejam que ela conseguiu se colocar no lugar da minha avó muito bem. tenho certeza que minha avó não foi reclamar com ela, mas ela teve empatia absoluta com o adulto na situação). aliás, arrisco dizer que ela deve ter projetado suas próprias frustrações de criança e adulta nessa situação, algo como “eu era muito mais pobre e não reclamava! nem ganhava presente de natal!”.

se tivesse se colocado no meu lugar, ela teria percebido que é absolutamente normal ficar chateado por ganhar um presente vagabundo. mesmo que não fosse vagabundo — sonhar com X e ganhar Y é motivo de frustração. não importa se a expectativa era real, imaginária, se eu devia ou não ter criado expectativa, é irrelevante. o sentimento de frustração é legítimo, e compreensível. sem julgamento de certo/errado, é simples entender.

essa é a primeira dica — não julgue sentimentos, reconheça o direito do outro a sentir o que estiver sentindo. sentimentos são o que são, nem bons nem ruins, nem certo nem errados. dê à criança o direito de sentir o que quer que ela esteja sentindo. não diga que a criança não deve ou “não tem porquê” sentir X. todas as pessoas têm direito de sentir o que sentem, ponto final.

e quanto ao fato de eu ter demonstrado que me chateei, chateando minha pobre avó? ela poderia ter me explicado sua percepção — que quando eu demonstrei tão claramente minha decepção, minha avó tinha se sentido mal por não ter agradado, e que ela também tinha se sentido mal por empatia. reconheço o potencial educacional de mostrar que minha reação de desprezo ou chateação com o presente também teve consequências, que se por um lado eu me chateei por não ganhar o que queria, por outro a minha avó estava decepcionada por não ter me agradado. seria uma forma de mostrar causa/consequência sem julgar quem está certo ou errado, só mostrando fatos.

a segunda dica é — mostre como o nosso comportamento afeta os demais ao redor, ou seja, quais são as consequências dos nossos atos. use a realidade (o exemplo) para demonstrar que quando sentimos e falamos/mostramos X, as pessoas como consequência também sentem e falam/demonstram Y. é assim que funcionam os relacionamentos, ação e reação. cada oportunidade destas é uma chance de mostrar para a criança como funcionam os relacionamentos. elas têm direito de sentir o que quiserem, e de se manifestarem, porém existem consequências, e precisamos lidar com elas. esse é o processo, super difícil, de amadurecimento.

minha mãe devia ter reconhecido meu direito de me chatear, sem me fazer sentir inadequada por não gostar do que ganhei, isso nem se discute. e poderia também ter me feito perceber que quando eu demonstrei minha chateação, isso causou uma frustração na minha avó (causa/efeito). poderia ter me dito que era uma opção minha disfarçar a frustração ou demonstrá-la, dependendo de como quisesse lidar com as consequências.

mas e se eu tivesse sido realmente grosseira  — tipo jogado o presente no chão ou dito que aquilo era uma “porcaria”? meu sentimento continuaria válido, a diferença é que neste caso meu comportamento não seria socialmente aceitável. a criança pode sentir o que quiser, mas precisa respeitar minimamente as regras da comunidade em que vive. destaco “comunidade” porque alguns comportamentos são aceitos em certos círculos e não são em outros. como pai ou educador, acho que devemos “equalizar” comportamento conforme a sociedade de forma mais ampla possível, para que a criança não sinta um choque quando sai do convívio familiar para um círculo mais amplo.

daí vem a terceira dica — diga exatamente que comportamento é esperado, e deixe claras as consequências caso não seja adequado. não adianta dizer “não faça assim” e não dizer o que espera que seja feito. dê o exemplo no dia a dia, e reforce no momento da conversa, mostre como se comportar de forma aceitável. fale sobre as vantagens de comportar-se desta forma, das desvantagens de outras formas. explique o que pode e vai acontecer caso insista em se comportar de forma inadequada. e, é claro…

… a quarta dica é — garanta que existam consequências (ou esclareça consequências que não foram percebidas). na minha história, seria tão simples quanto minha mãe chamar minha atenção para a chateação da minha avó com meu comportamento. se eu tivesse sido grosseira, ela poderia além de falar da chateação da minha avó, explicar que ser grosseiro não é uma opção, pedir que eu me desculpasse pela grosseria e aplicar algum tipo de castigo (doar os patins? não usá-los? ou qualquer outra coisa que me fizesse “sentir” a consequência).

mas não esqueça da dica mais importante, e mais crítica, quando se trata com crianças — não coloque em questão seu amor por elas em função de comportamentos inadequados. ninguém *é* o que *faz*. não é porque alguém erra em alguma situação que é errado, ponto final. as pessoas erram de forma circunstancial, às vezes por ignorância, às vezes de propósito, mas só os psicopatas não se importam. a grande maioria das pessoas erra por falta de orientação, educação e feedback. a maioria das pessoas não quer chatear as outras, causar conflitos. e as crianças erram porque estão aprendendo, porque seguem exemplos muitas vezes errados, porque não sabem controlar seus impulsos ou porque querem chamar a atenção. cabe aos educadores, em especial os pais, entender os motivos da criança e ensiná-la a se comportar de forma adequada.

**

são poucos pontos para praticar, mas é longe de ser simples, especialmente pelos seguintes fatores:

– como ter empatia com o sentimento do outro quando nunca tiveram empatia com os seus, ou quando você mesmo não tem empatia consigo mesmo?

– como separar claramente sentimento e comportamento como coisas independentes?

– como orientar sobre comportamento adequado caso você mesmo não seja o melhor dos exemplos?

– como “impor” consequências balanceadas, compatíveis com o comportamento inadequado?

– c0mo deixar claro para a criança que nós a amamos mesmo quando elas erram, que errar não é definitivo e que elas podem corrigir seu comportamento?

 

não sei se é claro pra vocês como é pra mim que para conseguir seguir estes passos minimamente precisamos:

– conhecer a nós mesmos muito bem

– livrar-nos de fantasmas e traumas do passado

– perdoar nossos próprios erros, e saber que erramos e erraremos de novo e que podemos acertar

– amar e aceitar a pessoa e criticar somente o comportamento

– conseguir nos colocar no lugar do outro

– dar bons exemplos, fazer o que diz — walk the talk.

 

pode ser difícil, sim, mas é perfeitamente possível, e muito gratificante porque funciona. não só com crianças mas com adultos também. e é possível também se recuperar de uma educação que não se preocupou com nenhuma dessas coisas — eu sou prova viva disso!

e para lidar com crianças na idade do otto (até 4 anos) em situação de crise de comportamento (chilique :D), adicionaria alguns complementos:

1) fale com a criança “de igual pra igual” — com palavras simples, muitas repetições das palavras-chave e com muitas expressões faciais. a melhor forma de se “conectar” com a criança é olhar no olho e demonstrar que você entendeu como ela se sente. quando ela perceber que você entendeu como ela está se sentindo (empatia), o chilique acaba. juro por deus.

2) explique de forma simples o que você quer que a criança não faça e o que você quer que ela faça. por exemplo: “otto, andar sozinho na rua não pode. na rua, só com a mão dada.”

3) dê opções, sempre. mesmo que elas pareçam bobas pra você, para a criança é importante sentir que decidiu. por exemplo: “otto, você pode dar a mão para andar na rua ou você vai no colo. o que você prefere?”. não quer dar a mão? não vai andar sozinho, ponto final.

e, é claro, bom senso: há situações em que não cabe conversar, discutir e dar opções. esse processo de feedback tem como objetivo educar a criança para aprender a se comportar em sociedade, é trabalho de formiguinha, de todo dia, não é uma ocasião ou outra de “faça o que eu digo” que vai traumatizar a criança.

no mais, gente… boa sorte pra todos nós 🙂

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crianças e tecnologia

August 13, 2012 · Leave a Comment

sei que tem quem ache que deixar crianças usarem gadgets é coisa ruim, de pais que não querem dar atenção pra criança e que crianças devem brincar com outras coisas. concordo com a preocupação, e discordo da demonização de devices (inclusive da TV).

acho que a grande questão da discussão é o quanto a atividade é completamente passiva ou ativa e principalmente o balanceamento entre tipos.

computador, TV, aparelho de som, gibi, iphone, ipad ou qualquer outro device podem ser educativos e estimulantes, tudo depende do que está rodando nele, a personalidade da criança e obviamente a participação dos pais no processo.

sentar no sofá e ver TV (ou ver vídeo no youtube, ou assistir clips no ipad…) é passivo; ouvir música também. mas é completamente passivo, não estimula nenhuma área do cérebro? claro que não, poxa. ver desenhos, ouvir música, ver e ouvir vídeos são estímulos, sim. são estímulos diferentes de resolver quebra-cabeça e interagir com o device, é claro. assim como brincar de quebra-cabeça é diferente de correr e jogar bola. estímulos diferentes, desenvolvimentos diferentes. e minha opinião é que há grandes benefícios em todo tipo de atividade, o importante é que os pais se dediquem a direcionar, garantir que seus filhos serão expostos ao máximo de possibilidades, aprendendo de tudo um pouco.

acho importante ter momentos de calma e introspecção, ouvindo música, por exemplo. ou o mergulho no mundo interior/fantasia de contar uma história, ler um livro, ver um filme. gostaria que meu filho também aprendesse o prazer e a importância de divertir-se com calma, por si próprio, seja sozinho ou acompanhado de algum estímulo.

claro que o desenvolvimento físico é importante também — correr, pular, subir/descer, explorar fisicamente o mundo é essencial para o desenvolvimento de qualquer ser humano. neste ponto, sou uma mãe privilegiada — vivemos numa cidade pequena, moro num condomínio com inúmeras possibilidades de lazer. podemos fazer coisas simples como correr na grama, brincar na areia, em brinquedos de parquinho, subir em árvores, comer frutas do pé, nadar na piscina, dar comida aos patinhos no lago, tomar banho de mangueira. jogamos bola, brincamos no quintal, observamos o pôr do sol, as árvores, as flores e os bichinhos, e meu filho é exposto a isso o dia todo (e ele adora).

fiquei pensando que o problema talvez seja que essa nossa realidade é diferente da realidade de tantas outras crianças que vivem em cidades grandes ou mais pobres (com menos opções de área de lazer legal e segura). é compreensível que levantem questões sobre crianças submetidas predominantemente às atividades, digamos, passivas.

aqui em casa, gastamos uma parte do tempo brincando com o otto de coisas como quebra-cabeça, livrinhos, carrinhos, cantando músicas e interagindo com os brinquedos e entre nós. ele não gosta ainda de TV, e só assiste 10min de desenho de manhã e à tarde, que é o tempo de tomar a mamadeira (sentamos com ele no sofá e vemos desenho e damos mamadeira), e ele parece gostar. mas acabou a mamadeira, corre pra fazer outra coisa e ignora a TV de novo.

ele gosta muito do iphone e ipad (são os devices que temos em casa. tenho um blackberry também, mas ele não liga pra ele, afinal não tem nada legal :D), e procuramos deixá-lo brincar somente quando não tem mais nada pra fazer ou queremos distraí-lo enquanto fazemos outra coisa. o ipad e iphone viraram nossa salvação no carro, quando precisamos esperar alguma coisa e ele está impaciente, mas em especial nas primeiras horas do dia. o otto acorda às 6:30h, então usamos 1h da manhã (até a babá dele chegar) pra cochilar um pouco enquanto ele brinca na nossa cama com apps de quebra-cabeça, vê histórias ou vídeos (e nos chama pra ajudar, de vez em quando).

bom, pra quem como nós acha que brincar com devices é legal, não estraga a criança e nem transforma os pais em negligentes 😀 segue a dica de um site que faz crítica de apps para crianças e as nossas dicas pessoais sobre apps (para iphone e ipad) que o otto ama (e a gente também), desde mais ou menos 6 meses, quando começou a brincar com os devices.

apps4kids: site especializado em apps para crianças, tem MUITA coisa, separada por idade inclusive.

the fantastic flying books (grátis): essa app (exclusiva para ipad) não é para a idade do otto, mas ele ADORA (e nós também). é uma história interativa, muito lindamente contada e desenhada, e tem algumas oportunidades de interação bem fofas. ele passa um tempão indo, voltando, explorando, é uma graça. e a história é linda.

toca boca (alguns grátis, outros não): é uma empresa de jogos que ganhou nosso coração, dica do antenadíssimo tio weno. eles têm vários jogos legais, nós baixamos o paint my wings, hair xmas, toca doctor (o nosso preferido) e toca monsters (o preferido do otto-ogro, de longe, já que trata de comida).

memory (grátis): adoramos esse jogo simples de memória, com 3 opções de desenhos e várias de complexidade. o otto ainda não entendeu 100% como joga, mas gosta de achar os desenhos iguais, tem musiquinha legal e tudo. acho que pode ser mais legal ainda pra crianças maiores.

talking tom: sucesso absoluto entre crianças (e adultos meio lesados como eu), o gato repete o que a gente fala e reage a alguns estímulos, alguns deles nada nobres como socar o pobrezinho até ele desmaiar. todos contando com a crueldade infantil para vender apps 😀 aí tem a namorada do tom, e esse vídeo hollywood que o otto AMA assistir mil vezes.

talking bacteria: mais uma app que eu adoro mas digo que é pro otto (embora ele também ame e morra de rir). essa são simplesmente bactérias que repetem o que a gente fala (bem engraçado), se reproduzem quando damos donuts, morrem quando usamos uma pílula e ficam LOUCAS quando fazemos cócegas ou damos uma droga. não é muito educativo mas, olha, é bem engraçado 🙂

drawing: essa app é simples e fácil de usar, você desenha com os dedos usando cores do lápis (com espessuras diferentes), e tem também “figurinhas” pra colar. o otto adora ficar riscando, colocando as figurinhas, apagando e começando tudo de novo. bem simples e boa, mas tem um banner em cima que às vezes distrai a criança (e irrita a adulta aqui).

bongos!: claro, por que não dar a uma criança uma app que faz BARULHO, não é? 🙂

nano keyboard: o bongô não é suficiente? use essa app de piano/órgão pra alegrar sua vida nas longas viagens de carro!

a galinha pintadinha, a onipresente: como pude esquecer justo essa, a mais amada pelo menino? no iphone tenho “a galinha de emergência” (a versão teaser da app completa do ipad) que tem só 2 vídeos (funciona quando não tem mais nada, mas ele reclama que não tem as músicas que ele gosta). no ipad você baixa uma jukebox das músicas/vídeos e compra um a um. atualmente são 3 dvds, com várias músicas do cancioneiro nacional infantil e outras inéditas deles. poderia escrever um post só sobre essa franquia — há quem ache ruim, mas eu ainda não entendi o porquê, francamente. as músicas são (na maior parte) aquelas que ouvíamos quando crianças, muito bem executadas e com vídeos lindos. os arranjos e execução são ótimos, as animações fofas e engraçadas, não consegui achar defeito. a única coisa que me incomodou foi a última atualização da app, que mudou completamente o look & feel (mas verdade seja dita — eu demorei mais pra me adaptar que o otto) e veio com 1 música grátis (“lava a mão”) que é na verdade propaganda de sabonete. dispensável. e não dá pra apagar/esconder as músicas que você não quer comprar. elas ficam todas lá, com indicação de preço (antes de baixar) ou o “play” (depois de compradas). acabei comprando quase tudo, porque o otto vê o desenhinho da música e quer ouvir. acho que seria legal com os pais ter a opção de esconder músicas que não queremos comprar.

vou dar mais uma olhada no ipad e ver se não esqueci nada (claro que tinha esquecido, a mais querida de todas, a última!) mas essas são as queridinhas lá de casa. e pra quem tem curiosidade, tenho iphone desde antes do otto nascer, e como sempre me viu usando obviamente teve curiosidade, e eu deixei ele explorar. sei que é um device caro, mas sempre usei proteção (tela + externa), ele nunca fez nenhum estrago. desde as primeiras tentativas, com poucos meses, entendeu perfeitamente como funcionava o sistema de toque com os dedos. não acho que meu filho seja um gênio porque domina esses devices rapidamente com poucos meses de idade, acho é que o iphone/ipad são realmente intuitivos, e o bebê não tem conceitos pré estabelecidos de como as coisas funcionam, então eles exploram sem restrição.

por enquanto estamos felizes com nossa relação (e a dele) com atividades físicas/mentais, passivas e ativas. somos pais que gostam de tecnologia, acho natural que ele também se interesse, até pelo exemplo. continuaremos a estimular o gosto dele pelas atividades físicas, pois isso é um problema que nós temos (somos sedentários) e não queremos que ele vá para o mesmo caminho, estamos tentando mudar nossos hábitos para também dar exemplo.

no mais, divirtam-se com suas crianças, não sejam muito radicais e deixem também suas dicas de apps legais 🙂

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a educação para o mundo

February 14, 2012 · 10 Comments

desde sempre ouvi por aí que “devemos educar nossos filhos para o mundo”. como me parece simplesmente bom senso, assumi que todos os pais se preocupariam com isso e, ora, educariam seus filhos “para o mundo”. talvez o óbvio e o bom senso não sejam tão óbvios assim, porque o tempo todo me deparo com pais excessivamente permissivos (ou ausentes, ou ambos ao mesmo tempo!) e filhos totalmente despreparados “para o mundo”. não, é pior do que despreparados, eles são péssimos contribuidores para um mundo já caótico, com recursos escassos e cheio demais.

a mim parece claro que vivendo num mundo com essas caraterísticas — superpopulado e com recursos escasseando — devíamos nos preocupar em cultivar e ensinar a gentileza, o cuidado com o excesso, o aprendizado do respeito pela natureza e pelo próximo, a paciência para lidar com as inúmeras frustrações que teremos pela frente, cada vez mais.

o que se vê pela rua, pela vida, aos montes, é o inverso: pessoas rudes (e nas redes sociais ainda mais, protegidos atrás dos seus teclados), desperdício, condescendência com a falta de educação, indulgência e a muleta do “isso não é problema meu”.

no que diz respeito à educação de crianças, como disse em outro post, o que realmente me choca não é crianças serem crianças e testarem os limites dos adultos, mas os adultos permitirem sem dizer NÃO. crianças gritam e fazem bagunça em locais que não são sua casa, desrespeitam ordens diretas e os pais não dizem não! às vezes simplesmente se omitem (porque de fato CANSA dizer a mesma coisa o dia todo) ou inventam desculpas para a falta de disciplina (“ela é muito agitada, sabe?” ou “ele tem muita energia!”).

disciplina é uma habilidade essencial para absolutamente tudo na vida. por mais que se escolha não ser disciplinado em qualquer momento, é preciso que essa habilidade seja ENSINADA. se alguém quiser optar por ser indisciplinado de forma consciente, que arque com as consequências (e isso também precisa ser ensinado).

que bem para o seu filho e para o mundo estará fazendo o pai/mãe que se exime de ensinar disciplina, respeito pelo espaço do outro e que sempre haverá consequências para a falta de respeito, a desorganização, a grosseria?

gostei muito deste artigo que compara mães francesas às mães americanas, justamente porque fala sobre ensinar paciência, disciplina, respeito, com muita firmeza. dentro dos limites (que são frequentemente aqueles estabelecidos pelos outros seres humanos ao redor), podemos ser livres. ser livre, criativo e “energético”, não é sinônimo de ser inconveniente e cheio de vontades à revelia dos demais.

brasileiros (latinos, talvez?) são ainda mais permissivos que americanos com suas crianças. vivemos na ditadura dos pequenos, temos que nos submeter à vontade deles e aos seus comportamentos inconvenientes porque “são crianças”, afinal?

não creio que esse seja o melhor caminho. talvez seja o mais simples, o que dá menos trabalho. ou que nos faça sentir menos culpados, já que passamos boa parte do dia longe dos nossos filhos e queremos compensar.

quando me bate a preguiça ou a culpa quando preciso ser firme com meu filho (e sei que ele vai ficar triste), penso que estou ajudando sua versão futura a ser mais sociável e feliz, que ele sofrerá menos com as frustrações muitas que certamente virão, vivendo neste mundo cheio de gente e dificuldades.

não sou mãe francesa, eu sei, mas vou me esforçar muito pra ser cada vez mais. com firmeza e muito amor.

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